São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Um lutador no deserto

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há dez anos, quando morreu octogenário, Basil Bunting (1900-85) mal e mal começava a ser reconhecido como um dos grandes mestres do século e, segundo os melhores críticos de cada lado do Atlântico -Hugh Kenner e Donald Davie-, como o principal poeta inglês contemporâneo.
Ainda assim, estudos sérios sobre sua obra -os de Peter Makin e de Victoria Forde- só foram publicados em livro há dois ou três anos e foi só no ano passado que saiu, pela Oxford, uma edição completa de seus poemas. Trata-se, para todos os efeitos, de um volume magérrimo, ou seja, 226 páginas para 65 anos de atividade, menos de quatro por ano, e isto incluindo suas traduções.
A culpa, no entanto, não é só da crítica, pois Bunting vinha divulgando seus escassos poemas (sete longos que ele chamava de "sonatas" e 61 breves, que batizou de "odes") em edições limitadas ou em revistas de pouca circulação. O "breakthrough", a virada na sua fortuna, ocorreu mesmo com seu grande poema, "Brigglatts", uma espécie de autobiografia poética, não necessariamente espiritual, de 20 páginas, escrita em 1965.
Composto numa época que para muitos já pode ser considerada pós-moderna, o poema é cronologicamente o último clássico original do alto modernismo anglo-americano inaugurado quase meio século antes. Até sua publicação, o autor era, se tanto, conhecido vagamente como um dos amigos (o outro era Louis Zukovsky) a quem Pound havia dedicado seu "Guide to Kulchur" (1938), chamando-os de "strugglers in the desert't (lutadores no deserto).
Nascido no norte da Inglaterra em 1900 numa família de classe média (pai médico, mãe filha de engenheiro), o poeta chegou à maioridade antes do fim da Primeira Guerra Mundial, em que, no entanto, recusou-se a servir devido à sua formação quaker, razão pela qual foi encarcerado.
Leitor de Yeats, Eliot e sobretudo de Pound, após viver por algum tempo na França e na Alemanha, mudou-se no final dos anos 20 para Rapallo, na Itália, a fim de conviver com o mestre. E foi nessa época que leu, numa velha tradução francesa em prosa, a grande epopéia medieval do persa Firdausi, o "Shaname", ou "Livro dos Reis". Em pouco tempo dominou sua língua para poder lê-lo no original. Esse fato excêntrico foi decisivo na sua carreira.
Porque, ao contrário do que fizera durante o conflito anterior, com o começo da Segunda Guerra, ele alistou-se na força aérea e, devido ao seu conhecimento do persa -sabendo apenas ler o arcaico, familiarizou-se logo, porém, com o moderno, falado-, foi enviado ao Irã onde, antes do fim das hostilidades, já era vice-cônsul e chefe da inteligência inglesa para boa parte do Oriente Médio.
Após a guerra, essa carreira foi interrompida pelo seu casamento com uma persa, mas o "Times" o contratou como seu correspondente na Irã, ocupação que, por sua vez, tornou-se impraticável quando, em 1952, o líder nacionalista Mossadegh o expulsou do país. Em seguida, no período mais deprimente de sua vida, trabalhou como mero revisor num jornal de província na Inglaterra, até quando o reconhecimento começou a lhe chegar com a publicação de sua obra-prima.
A obra de Bunting, mínima, mas com uma qualidade exemplar, é composta de poemas particularmente condensados até para os padrões mais exigentes de uma língua, como a inglesa, capaz de se expressar com grande concisão. Assim, eles desafiam a tradução, mas Jacques Darras já produziu uma ótima versão francesa de alguns e, seguindo o trabalho pioneiro do espanhol Andrés Sánchez Robayna, Marco Aurelio Major também está preparando uma antologia no México.

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