São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Exploração do mar não está para peixe

VANESSA DE SÁ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A escassez de peixes tem gerado diversos conflitos no mundo, mas um grupo de pesquisadores afirma que é possível recuperar as populações. Basta parar de pescar.
Para provar o que dizem, os cientistas aplicaram uma complicada teoria matemática a 128 populações de peixes superexploradas espalhadas pelo mundo.
Os cientistas, que publicaram estudo na revista "Science" há dez dias, procuraram ver se os peixes entraram em colapso devido à incapacidade de se reproduzir.
Isto é, se a capacidade de gerar descendentes é menor que os índices de mortalidade na população.
Os pesquisadores usaram uma espécie de simulação do tamanho das populações com números, representando algo como a 'entrada' e a 'saída' de mercadorias.
Se a saída -morte- for maior que a entrada -reprodução- e não houver reposição, haverá o risco de falência -extinção.
Surpreendentemente, o modelo usado mostrou que, das 128 populações de peixes, só três estão ameaçadas irreversivelmente de extinção para fins comerciais.
Elas chegaram a um estado conhecido por não-compensação. Isso quer dizer que dificilmente chegarão a ser numerosas como eram.
O modelo permite ainda avaliar se populações que já foram superexploradas economicamente têm condições de se recuperar em condições naturais, usando apenas os próprios esforços de reprodução.
"O estudo pode ser um alerta para que se interrompa a superpesca no mundo. Todas as populações de peixes já estão superexploradas ao máximo", disse Mário Katsuragawa, do Departamento de Oceanografia Biológica do Instituto Oceanográfico da USP.
"As águas brasileiras são tropicais. Aqui, a biodiversidade é maior, mas o número total de peixes é pequeno", afirmou.
A fórmula prevista no modelo matemático usado leva em conta o sucesso reprodutivo de uma população de peixes.
Quem tiver baixo sucesso reprodutivo per capita (por indivíduo) não consegue se recuperar.
Isso porque o número de peixes daquela espécie se tornaria tão pequeno que eles seriam exterminados rapidamente pelos predadores, ou machos e fêmeas não conseguiriam se encontrar para acasalar.
Para "medir" o sucesso reprodutivo de uma população, os pesquisadores analisaram não só o número de filhotes, mas também quantos filhotes chegam à idade adulta (chamados recrutas).
A razão entre recrutas e filhotes "mede" o sucesso da população: quanto mais filhotes chegam a idade adulta, mais vantajoso para a população como um todo, já que o recruta tem grande chance de achar um parceiro e se reproduzir.
Segundo os pesquisadores, uma queda nessa razão seria um sinal de que a não-compensação estaria ocorrendo.
Para o professor e chefe do Departamento de Oceanografia Biológica do Instituto Oceanográfico, Yasunobu Matsuura, o trabalho considerou apenas fatores intrínsecos à população -sua taxa de reprodução por indivíduo-, sem considerar fatores ligados aos locais onde vivem, chamados fatores oceanográficos (ver texto abaixo).
"Embora interessante, vejo o estudo com reservas. A interação entre as espécies e entre elas e seu meio é muito complexa. Acredito que não se possam generalizar resultados", diz o cientista.
Espécies ameaçadas
Os resultados do estudo revelaram que algumas espécies podem ser consideradas "extintas" para a exploração comercial.
Um exemplo é o arenque islandês. Nesse caso, a pesca parece ter sido tão predatória que a população teria entrado em declínio irreversível.
Mas os cientistas admitem que mudanças ambientais podem também ter colaborado para o insucesso reprodutivo dos arenques e para a pequena "entrada" de jovens recrutas na população.
Os pesquisadores também citam as sardinhas do oceano Pacífico e o arenque do banco Georges, no Canadá. Banco é um local de grande ocorrência de peixes.
Nos dois casos, a população diminuiu muito devido à superexploração comercial e manteve esses níveis durante décadas.
Entretanto, parecem estar se recuperando lentamente. Não se sabe ao certo por quê.
Os resultados do trabalho serão usados em parte como subsídio para políticas de conservação e controle da superpesca do bacalhau no banco Georges.
Com os resultados em mãos, pretende-se reduzir o número para cerca de 20%, sem que os pesqueiros sejam fechados.
Mas Rosenberg alerta para o impacto de seus resultados. "Não devem ser usados para justificar a pesca até que os estoques estejam completamente esgotados", escreveu o pesquisador.

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