São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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'Não sou multicultural por causa da moda'

SILVIA BITTENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERLIM

Folha - O que a sra. defende para os estrangeiros?
Maria de Fátima Barros Stollenwerk - Eu gostaria de trabalhar no sentido de facilitar sua naturalização, sem as sutilezas judiciais de hoje. Aqui o processo é devagar, feito para enraivecer.
Folha - Um grupo de turcos quer fundar um partido que represente os interesses da comunidade turca na Alemanha. O que a sra. acha disso?
Stollenwerk - Os turcos formam algo em torno dos 2% da população. Se esse partido é só para turcos, ele não teria chance de se eleger para as câmaras e parlamentos. Seria praticamente uma dissidência. Os estrangeiros formam cerca de 8% da população e 6% estariam excluídos.
Eles estariam dividindo ainda mais. A divisão enfraquece a possibilidade de ação de um grupo que já é minoritário.
Folha - A sra. pretende desempenhar, caso eleita, algum trabalho voltado para os brasileiros que vivem em Berlim?
Stollenwerk - Pretendo ouvir toda queixa, toda dificuldade que a comunidade tiver. Pretendo, em alguns casos, agir imediatamente, como já costumo fazer.
Já escrevi cartas para consulados brasileiros na Alemanha, já encaminhei pedidos para o Brasil. Mas quero ouvir propostas de todo estrangeiro. Não sou multicultural de hoje, nem por causa da moda. Sou multicultural de 500 anos. Consigo ouvir todas as pessoas.
Folha - A maioria dos refugiados da ex-Iugoslávia vive em Berlim. Eles têm apenas o direito de permanecer aqui. Sua situação jurídica deve mudar?
Stollenwerk - Sim. A Alemanha contribuiu, de certa forma, com a guerra na Bósnia e tem um compromisso moral de receber os refugiados. Ela tem também que dar a eles a oportunidade de viver dignamente.
Folha - A sra. acompanha a política brasileira?
Stollenwerk - Só quando estou no Brasil. Aqui há pouca notícia sobre o Brasil que eu levo a sério. Eles contam as coisas de forma unilateral.
Folha - A sra. acha justa a imagem divulgada aqui?
Stollenwerk - Acho. Fala-se das sete nações mais ricas do mundo e do Brasil como um país muito atrasado. Ninguém menciona que o Brasil tem uma economia enorme. Não interessa isso, mas sim manter a imagem negativa, da favela, de samba e futebol, da gente simpática mas burrinha.
Folha - Mas na questão social, o Brasil está muito longe do sétimo lugar.
Stollenwerk - Não sei, não. A propaganda dirige sempre para o lado rico e bonito dos sete primeiros e para o lado feio do oitavo para baixo. Mas vivendo aqui muito tempo, percebe-se que, em muita coisa, a gente dá um show.
Folha - Por exemplo?
Stollenwerk - Não sei como está agora, mas a formação universitária que tive no Brasil, há 16 anos, é melhor do que a que tive aqui. As universidades daqui são públicas, mas hoje há uma fuga de alemães para universidades estrangeiras particulares. Eles preferem pagar para aprender alguma coisa.
Folha - A sra. pretende voltar para o Brasil?
Stollenwerk - Qual é o brasileiro que não pretende? Claro.
Folha - Você quer fazer carreira política lá?
Stollenwerk - Não. Nem aqui eu pretendo. Sou preguiçosa como todo mundo. Para quem não tem sede de poder, carreira política é uma desgraça. Mas as coisas vão te envolvendo e você pode usar uma oportunidade para endireitar a situação.

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