São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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'Falar da pobreza é uma conquista'

JAIME SPITZCOVSKY; SUZANA SINGER
DE PEQUIM E DA ENVIADA ESPECIAL

Folha - Pode-se esperar resultados práticos do encontro?
Ruth Cardoso - Minha expectativa é de que se chegue a uma plataforma de ação, que leve a ações concretas. A prioridade dada ao tema da pobreza dá um novo conteúdo à questão da mulher.
Mostra também como as conferências estão se interligando: como a comunidade internacional priorizou a questão do desenvolvimento, os problemas da mulher entram nesse contexto. É uma agenda nova que vai se propor às feministas.
Folha - A sra. espera com isso polarização entre os países?
Ruth - Espero o oposto. Ao se colocar mulher e pobreza, traz-se o problema de gênero para o cenário internacional. Descobrir que a pobreza não é igual para homens e mulheres é muito importante.
Folha - A sra. acha que há um novo momento do feminismo?
Ruth - Eu gostaria que fosse. Acho que essa plataforma traz temas novos ao feminismo. O movimento feminista teve muitas vitórias, mas a discriminação ainda existe. Um indicador é a diferença de salários entre homens e mulheres, que existe em todo o mundo.
Folha - Quais os avanços que a sra. apontaria no Brasil?
Ruth - Em termos educacionais, as mulheres avançaram muito nos últimos 20 anos. Hoje, elas tem escolaridade maior que os homens. E entraram em todos os níveis de ensino: 2º grau, universidade. Mesmo no mercado de trabalho, houve avanços. Isso não significa que está tudo resolvido.
A maior escolaridade não se reflete nos salários, que ainda são mais baixos que os dos homens. No plano institucional, temos os conselhos estaduais e federais que tratam das questões da mulher.
No campo da violência, temos as delegacias das mulheres, criadas em 1983, com ótimos resultados. A Constituição tem posições avançadas, conquistadas pelas mulheres -o "lobby do batom".
Folha - O documento brasileiro deixa em aberto a questão do aborto. O que será defendido?
Ruth - O que podemos defender aqui é o que diz a nossa Constituição, que prevê o aborto quando há risco de vida para a mãe e estupro.
A bandeira do aborto é levantada há muito tempo pelas feministas por causa do número de mortes decorrentes de operações clandestinas e de outras complicações para a saúde da mulher. Mas não há consenso no Brasil sobre o tema.
Folha - Qual é a sua posição?
Ruth - Eu não estou aqui com minha posição pessoal. Estou aqui como chefe de delegação.
Folha - A que a sra. atribui a "feminização" da pobreza?
Ruth - O número de mulheres chefes de famílias está aumentando. Além disso, a gravidez precoce faz com que haja mulheres muito jovens com filhos e sem marido, em um ciclo de vida que leva à pobreza e impede que se saia dela.
Folha - O documento da delegação defende a perspectiva de gênero nos currículos das universidades. O que a sra. acha?
Ruth - Eu concordo. Existem várias especialidades em que a perspectiva de gênero ainda passa muito longe no Brasil.
Na escola de medicina, por exemplo, seria muito importante aumentar essa preocupação para mostrar que o corpo da mulher não é igual ao do homem. Eu não acho que a universidade brasileira seja machista. Os homens são machistas, mas a instituição não é.

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