São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Mercosul e relações trabalhistas

MARCO MACIEL

O Mercosul representa o mais ousado esforço de integração regional no campo das relações internacionais na América Latina. A pretendida livre circulação de mercadorias, a que temos forçosamente de chegar com maior ou menor celeridade, deverá, mais cedo ou mais tarde, ser complementada com a livre circulação de pessoas, bens e serviços.
Isso não significa apenas a superação das fronteiras para o livre intercâmbio de capitais e para a movimentação física relativa à prestação de serviços. Implica também que os próprios condicionamentos econômicos terminarão por exigir a livre circulação de trabalhadores em todos os setores de atuação.
Profissionais liberais, trabalhadores especializados e prestadores individuais de serviços serão chamados a suprir demandas ocasionais ou permanentes no mercado integrado.
Não é difícil prever os problemas jurídicos gerados por esse movimento -basta lembrar que a questão das políticas sociais comunitárias é um dos capítulos que menos avançaram no Tratado de Maastricht, que materializou os ideais da União Européia. Essa mão-de-obra não estará apenas circulando entre as filiais de empresas de nossos países. Estará, muitas vezes, transitando de uma empresa a outra, ou de um setor a outro, nos diferentes mercados.
No caso dos profissionais liberais, a questão mais evidente é a do reconhecimento tácito das profissões regulamentadas. No caso dos trabalhadores das mesmas empresas em diferentes mercados nacionais, o problema das relações trabalhistas começa pela questão da mobilidade geográfica, já que estaremos tratando de um só mercado.
As maiores iniciativas na harmonização das políticas sociais dos países integrantes do Mercosul terão de partir do Brasil, em decorrência de dois fatores específicos: a inexistência de liberdade de organização sindical, nos moldes previstos na Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, e a prática generalizada do recurso ao dissídio coletivo arbitrado pela Justiça do Trabalho em questões salariais, nos moldes previstos na CLT.
O Brasil começa agora a dar os primeiros passos no sentido de substituir esse modelo que o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou, no seu discurso de despedida do Senado, de "o fim da era Vargas", e que tem, na realidade, o sentido de modernização das relações trabalhistas.
Todos nós sabemos, no entanto, que há resistências fortes e arraigadas para que possamos caminhar nessa direção. Algumas legítimas, sem dúvida, decorrentes da fragilização do sistema sindical do país, em algumas regiões e em categorias específicas. Outras, porém, decorrentes de interesses políticos que inquestionavelmente se opõem ao processo de mudanças em que estamos todos empenhados.
A negociação direta, através de modelos flexíveis que se adaptem à enorme diversidade brasileira, é uma tendência irreversível, como de resto ocorreu na Argentina, onde o instrumento está hoje generalizado, apesar de ter o país passado, durante o regime peronista, por um modelo quase tão inflexível quanto o padrão trabalhista brasileiro do Estado Novo, que em grande parte ainda persiste no país de forma renitente.
É importante assinalar, contudo, que o maior obstáculo a uma política trabalhista estável e institucionalizada não são os modelos e padrões de negociação e arbitragem, mas sim os descontroles inflacionários que terminam sempre anulando os ganhos nominais de salários e impedindo os ganhos reais.
Na medida em que tivermos êxito na estabilidade econômica, teremos fatalmente sucesso na busca necessária da convergência social no Mercosul, que, no âmbito trabalhista, envolve mais do que tipos de negociação e arbitramento de conflitos. Afora a questão da contenção inflacionária, de que depende a estabilidade econômica, não serão os desafios e as diferenças econômicas que impedirão o sucesso do Mercosul.
No tocante à política trabalhista, a própria existência de empresas multinacionais atuando em dois ou mais mercados será um fator de estímulo para a harmonização de benefícios e procedimentos, que ainda mais facilmente transitarão de um mercado a outro, condicionados apenas por encargos diretos sobre a mão-de-obra a serem forçosamente compensados em cada país.
O desejo do governo FHC de diminuí-los, no quadro da redução do chamado custo Brasil, será um passo a mais na remoção dos obstáculos naturais desse processo.
Comparando os caminhos paralelos, o que seguiu a União Européia e o que estamos trilhando no Mercosul, não tenho dúvidas de que enfrentamos processos irreversíveis, cujos êxitos, muitas vezes, poderão não ser os esperados, mas serão, inevitavelmente, auspiciosos, por maiores e mais trabalhosos que sejam os desafios a superar.

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