São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Uma péssima boa idéia

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Há um bom projeto em circulação no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e no Congresso. A idéia é tão boa que não tem a menor chance de êxito.
Fernando Henrique, o ministro Nelson Jobim (Justiça) e alguns parlamentares embalam um sonho. Gostariam de ver, sentados à volta de uma mesma mesa, representantes do governo e da oposição.
Jobim é pragmático. Descarta, de saída, a hipótese de chegar-se a um pacto. A palavra, aliás, carrega enorme carga de desgaste.
O ministro acha que o diálogo pode resultar em uma de três possibilidades. "Pode não haver entendimento nenhum", eis a primeira hipótese.
"Pode haver um entendimento em torno de temas pontuais", prossegue Jobim. "É possível, por último, que cheguemos a um entendimento sobre assuntos mais abrangentes."
A despeito do realismo, o ministro da Justiça se esquece de considerar uma quarta hipótese: a de que não haja nem mesmo a conversa.
Há um mês, Fernando Henrique elogiou, desde o Paraguai, uma idéia de Miro Teixeira (RJ), líder do PDT. O deputado propusera o diálogo entre governo e oposição. O PFL veio abaixo.
Seria ingênuo supor que o PFL é o único obstáculo ao diálogo. Também o PT e o PDT possuem os seus radicais.
Tome-se o exemplo de Leonel Brizola. Ele se refere a Fernando Henrique com uma palavra nada lisonjeira. Diz aos mais próximos que o presidente é um "pusilânime".
O vocábulo possui várias definições. A menos agressiva, à disposição nas páginas do Aurélio, é homem "medroso, covarde, poltrão". Em suma, alguém com quem não vale a pena estabelecer um entendimento.
A verdade é que falta-nos a grande tragédia, a catástrofe conciliadora. Nossa tradição política não prevê o diálogo, senão em meio ao naufrágio. Assim, o único cumprimento possível seria o abraço dos afogados. Como a água não está pelo nariz, convém arquivar essa idéia de entendimento.

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