São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dá para entender?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Nada como viver em país do Primeiro Mundo onde há estatísticas sobre tudo. A revista "The Economist" de 26/8 apresenta dados sobre a mendicância na Europa. A França tem cerca de 1,2% da população pedindo esmolas (672 mil pessoas). A Alemanha tem 1,1% (876 mil mendigos). E a Itália, 0,3% (150 mil).
Nas últimas eleições, os candidatos a prefeitos prometeram "erradicar" de uma vez por todas a mendicância nas belas cidades francesas. O prefeito eleito em La Rochelle, do partido socialista, ao assumir sua cadeira sentiu logo a inviabilidade de suas promessas e não teve dúvidas: como bom advogado e ex-ministro da Justiça, baixou um decreto "proibindo" a mendicância na sua cidade. Vários outros prefeitos seguiram o exemplo do ex-ministro, argumentando que aquele bando de pessoas malcheirosas, sujas e maltrapilhas estava enfeiando as cidades e assustando os turistas.
Não demorou para os novos governantes descobrirem o artificialismo de suas decisões. Afinal, como punir um mendigo? Como multar uma pessoa que nada tem? O que fazer com um pedinte que é expulso de uma cidade e se fixa na vizinha?
Essa história parece brincadeira, mas é verdade. Isso aconteceu, ironicamente, no país que deseja explodir meia dúzia de bombas atômicas pelos lados do Pacífico. De que maneira a França pode contribuir para diminuir a mendicância mundial ao espalhar mais artefatos nucleares? O mundo já tem mais de 50 mil bombas atômicas em estoque. Onde o sr. Chirac quer chegar?
Essa mania de empurrar os problemas com a barriga, todavia, não é monopólio dos governantes franceses. Entre nós, o Senado Federal articula-se para autorizar o lançamento da dívida dos Estados no colo da União. De que adiantaria transferir uma dívida de US$ 100 bilhões do bolso esquerdo para o bolso direito?
Nada. Absolutamente nada. Mas, alto lá! Politicamente essa transferência significaria tudo. Absolutamente tudo. Os governadores ficariam com as mãos livres para começar tudo de novo. Seria uma festa!
Não sei se é coincidência, mas foi só o governo federal falar em "fundo de compensação" para as perdas dos Estados no projeto de reforma tributária para os governadores articularem o endiabrado "calote". A União passaria esse "mico" para quem? É óbvio, para o povo brasileiro que seria mais uma vez taxado por impostos e pela volta da inflação.
Ora, é sempre tentador buscar a "solução" dos problemas pela via do decreto. O difícil é enfrentar a realidade dos fatos e trabalhar em dobro -o que este país tanto precisa. Já é hora de sairmos fora desse jogo de empurra-empurra.

Texto Anterior: A bênção
Próximo Texto: DESAPARECIDOS; O ARTISTA E O COITADINHO; VIOLÊNCIA; ACOSTAMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.