São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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yes, nós também temos caubói

SÉRGIO DÁVILA

Texas, que vem tratando com aplicações regulares de laser e sessões de fisioterapia. "Tô proibido de 'muntar' por um tempo, lamenta", com sotaque peculiar.
"Chico Bento"
Adriano Moraes nasceu e foi criado numa fazenda na região de Bauru, interior de São Paulo. "Enquanto meu pai ia a cavalo buscar uma ambulância na cidade, nasci", lembra. "Só eu e minha mãe."
Ali, cresceu aprendendo a domar cavalos, lidar com gado. "'Muntava' de farra na bezerradinha de leite, trepava em cavalo no pêlo, era meio Chico Bento."
Quando viu, abandonara o segundo grau e estava competindo nos rodeios a sério.
A escolha do touro, e não do cavalo, foi destino. No primeiro rodeio para valer, Moraes se inscreveu nas duas modalidades. "No touro, me dei bem. No cavalo, tomei um tombo que até hoje estou procurando os botão da camisa", ri.
Desde então, ganhou tudo no Brasil -foi bicampeão brasileiro (92/93). Explicação: aqui, a premiação de rodeios se dá por carros, assim como o ranking. Está na frente quem tem mais carros ganhos (nos EUA, o indicador é o bom e velho dólar).
Pois Moraes chegou a juntar seis automóveis de uma vez, entre Gol, Uno, Kadett, picapes. "Um dia, fui ligar os carros e tinha ninho de rato nos escapamentos", lembra. "Foi correria para tudo que é lado."

Caubói de Cristo
Hoje, tem um Corsica em sua casa na cidadezinha de Keller, a 20 minutos de Dallas (Texas), e um Gol prateado em Matão (SP), seu segundo lar, um apartamento de dois quartos num dos raros edifícios da cidade.
Caubói de Cristo No vidro traseiro do Gol, o adesivo: "We ride for the Lord" (nós montamos pelo Senhor). Moraes é um caubói de Cristo. Antes das provas, faz o sinal-da-cruz e reza para Nossa Senhora Aparecida (a padroeira dos rodeios, junto com São Sebastião).
Todos as manhãs, enfrenta um rosário inteiro (150 aves-marias e 15 pais-nossos) e, às quintas-feiras, participa de encontros religiosos. "Ganho mais com meia hora de reza que em um ano no bar. Aos fãs, assina com um "Deus Te Abençoe".
Ele é casado há cinco anos com Flávia Schmidt, 29, de Mirassol (SP), que conheceu num rodeio. Ela cuida dos negócios e os dois pretendem ter um filho. "Não sei se vai ser caubói, mas cristão com certeza será", diz ela. "De preferência, padre", diz ele.

Drugstore cowboy
Não faz exercício ("Não preciso"), não bebe, não fuma, não joga. Ouve música country e veste-se com calça Wrangler (como dez entre dez vaqueiros), bota Lucchese e chapéu Milano (norte-americano, um dos seus patrocinadores). "É meu trabalho", diz. "Não sou como esses 'drugstore cowboys', que nunca viram um animal pela frente."
Seu primeiro grande acidente aconteceu há seis anos. Na queda, levou uma chifrada na barriga, que o perfurou dez centímetros, entre o rim e o intestino. Desde então, já foi nocauteado duas vezes, deslocou o braço, quebrou nariz, um tornozelo, joelhos e algumas costelas ("não sei quantas, nunca radiografei").
Segundo conta, a chifrada do touro machuca mais, mas o pisão é mortal. "Por isso que tento transformar a adrenalina do medo em adrenalina da coragem", ensina. O trabalho de Moraes se resume a manter-se por oito segundos sobre um touro, segurando com apenas uma mão (a outra deve acenar para o público).

Não machuca "as partes"
Os juízes levam em conta o tempo, a graça do competidor e a dificuldade apresentada pelo animal. O touro deve ter no mínimo 18 arrobas (270 quilos) e, se forem muito pontudos, os chifres serrados. E tem de pular. Aí reside um problema sobre o qual os vaqueiros odeiam falar: o sedém.
O sedém é uma tira feita com crina e pele de cavalo, que deve ser amarrada no touro de forma a comprimir seus testículos, para que ele pule. "Um crime, uma barbaridade", dispara a empresária Celina Valentino, vice-presidente da União Internacional Protetora dos Animais.
"Não machuca nada", devolve Moraes. "O touro só pula para se livrar do laço, que é frouxo, mas incomoda. É uma questão de instinto, de se livrar do predador". Celina: "Se é assim, por que não usam vacas e éguas nos rodeios?
O caubói tem um argumento. "Se prejudica o animal, como ele pula por dez anos e depois vai ser reprodutor?". E continua: "Se não estivesse no rodeio, seria castrado aos oito meses e, com dois anos, virava bife. No rodeio, se aposenta para ser papai. É mais digno".
Tanto pulo não prejudicaria as, digamos, funções reprodutoras dele próprio, o caubói? Moraes ri: "Não, não, o touro é muito largo, não dá para machucar 'as partes'. Além do mais, com 30 anos pretendo me aposentar e virar juiz de prova."

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