São Paulo, terça-feira, 5 de setembro de 1995
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Endividamento externo irresponsável

JOSÉ CLÁUDIO FERREIRA DA SILVA

Muitos economistas, inclusive o autor deste artigo, participaram das críticas ao endividamento externo brasileiro ocorrido na segunda metade dos anos 70. A partir do final daquela década, escrevemos inúmeros artigos, vários deles tratando essa fase como a do endividamento externo irresponsável.
Os argumentos eram muitos, mas, quase sempre, sustentavam-se na tese de que, mais cedo ou mais tarde, a dívida externa seria cobrada e o país, sem condições de saldá-la, mergulharia em uma crise cambial como a que já estava enfrentando.
Como fomos brilhantes enquanto profetas de fatos ocorridos!
Os partidários da estratégia do governo Geisel defendiam-se afirmando que os empréstimos externos teriam financiado investimentos na produção de bens exportáveis e substitutos de importações.
Os grandes superávits comerciais que o país passou a obter nos anos seguintes -que alguns economistas chegaram a imaginar serem "estruturais"- concederam alguma credibilidade à tese.
Ainda que se possa criticar a política econômica do governo Geisel, principalmente quanto à pouca preocupação com relação à saúde das contas públicas, deve-se reconhecer que ela decorreu de uma estratégia claramente definida: simultaneamente ao endividamento externo, estariam sendo criadas as condições suficientes para saldar essa dívida mais tarde.
Agora, quando se comemora o primeiro aniversário do Plano Real, parece um bom momento para reflexões sobre os ensinamentos do passado e, em particular, sobre a questão do endividamento externo.
Além do inequívoco sucesso no combate à inflação, o Plano Real conseguiu a façanha de, em apenas um ano, acrescentar um montante de dívida externa (déficit da conta corrente do balanço de pagamentos) superior à metade do endividamento externo líquido acumulado nos cinco anos do governo Geisel.
Certamente, as características dos dois endividamentos são diferentes. Na década de 70, tratava-se, principalmente, de empréstimos bancários, que tinham as empresas estatais como grandes tomadores finais, quase sempre com aval do Tesouro Nacional.
Agora, ocorre alta concentração em capitais especulativos, que ingressam no país -naturalmente, sem o aval do Tesouro Nacional- atraídos pela elevada rentabilidade (efetiva ou potencial) oferecida pelos títulos brasileiros.
É claro que a intromissão oficial é indesejável, mas esta não é a questão mais relevante. O problema fundamental está no fato de o país estar gastando em consumo as divisas que vem obtendo "por empréstimo, situação inviável a longo prazo. Contrariamente ao ocorrido no período Geisel, não estamos implantando nenhum investimento potencialmente gerador de divisas.
Somente a estabilização dos preços pode justificar, então, o atual endividamento externo. Mas, como o próprio governo reconheceu, o Plano Real não resistiria a um ajuste cambial com magnitude capaz de eliminar o déficit comercial. Ou seja, não pode haver ajuste cambial porque acabaria com o plano, mas a persistência do déficit inviabilizaria sua continuidade a longo prazo.
A solução encontrada foi gerar uma recessão capaz de reduzir as importações e obrigar as empresas a buscar mercados externos para os produtos do país. E, enquanto os resultados não aparecem, resta torcer para que nenhum evento abale a confiança dos investidores internacionais no país, como se chegou a temer quando da última crise mexicana.
É lastimável que isto esteja ocorrendo quando se sabe que poderia ter sido evitado apenas com uma política cambial mais realista.

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