São Paulo, terça-feira, 5 de setembro de 1995
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Conferência começa na China com críticas ao infanticídio feminino

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

A Quarta Conferência Mundial da Mulher começou ontem em Pequim e a primeira-ministra do Paquistão, Benazir Bhutto, pediu o fim do infanticídio feminino, ou seja, morte de recém-nascidas ou aborto do feto feminino por pais que desejam um filho.
O discurso do secretário-geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, qualificou a busca da igualdade entre os sexos como "o grande projeto político do século 20".
A conferência, a maior já organizada pelas Nações Unidas, termina dia 15 e reúne as delegações oficiais de mais de 180 países.
A primeira-dama Ruth Cardoso, chefe da delegação brasileira, participou da cerimônia de abertura no Centro de Convenções Internacionais de Pequim. Ela faz um discurso hoje.
"Esta conferência deve criar um clima (no mundo) no qual uma menina seja tão bem-vinda e tão valorizada quanto um menino", disse Bhutto. O infanticídio feminino ocorre em pelo menos 15 países asiáticos, entre eles a China. Mas a primeira-ministra não mencionou o caso chinês.
Os filhos são preferidos por representarem mão-de-obra que ganha mais e por garantirem a continuidade do sobrenome.
O governo chinês, na tentativa de parar o infanticídio feminino, proibiu em junho que os médicos revelem o sexo do feto.
Primeira mulher democraticamente eleita para dirigir um país islâmico, Bhutto argumentou que a religião muçulmana não prega o confinamento da mulher em casa. "Os direitos que o islamismo proporciona às mulheres muitas vezes são negados", discursou.
O mundo islâmico conta hoje com três primeiras-ministras. Elas são, além de Bhutto, a da Turquia, Tansu Çiller, e a de Bangladesh, Begum Khaleda Zia, que também discursou na abertura.
A Arábia Saudita não enviou representantes à conferência por considerar que ela trata de problemas incompatíveis com o islamismo, como sexo antes do casamento e homossexualismo.
O Irã participa e, em aliança com o Vaticano, tenta barrar idéias como o aborto.
A conferência vai aprovar um documento chamado "plataforma para ação, que dará as diretrizes para busca de soluções dos problemas da mulher, como pobreza e discriminação. O próximo encontro será dentro de dez anos.
O discurso de Boutros-Ghali foi lido por um representante. O secretário-geral da ONU não veio a Pequim por "recomendação médica". Ele estaria com uma forte gripe, segundo anunciou na semana passada.
Cresce a violência contra a mulher, constatou o egípcio Boutros-Ghali. "Há uma tendência deplorável de humilhação organizada da mulher, incluindo o crime de estupros em massa", disse, referindo-se a conflitos como os da ex-Iugoslávia e de Ruanda.
Em um artigo no jornal francês "Le Monde", o secretário-geral pediu às delegadas que respeitem os diversos valores culturais em jogo, mas que não aceitem isso como pretextos para abusos contra as mulheres.
Pela manhã, o governo chinês promoveu uma cerimônia para recepcionar as delegações estrangeiras no Grande Palácio do Povo, centro de Pequim. Houve show de danças chinesas, apresentação de coro e pronunciamento do presidente Jiang Zemin.
"Uma revolução começou", disse na cerimônia a tanzaniana Gertrude Mongella, secretária-geral da conferência. A platéia aplaudia enquanto ela continuava: "Não há caminho de volta, não há caminho de volta"

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