São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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Mostra peca por lerdeza burocrática

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE VENEZA

Não dava para imaginar que o Festival de Veneza fosse tão provinciano. A seleção é boa, mas é servil demais aos interesses comerciais de Hollywood. E fica sempre no ar a ameaça de boicote dos funcionários da Bienal ao bom andamento do festival.
Responsável pela seleção, o cineasta italiano Gillo Pontecorvo, de glorioso passado combativo ("A Batalha de Argel", "Queimada") acusa a Bienal de Veneza por sua lerdeza burocrática e exige em público uma fundação para salvar o mais antigo festival de Cinema (52 anos). Gian Luigi Rondi, que responde pela Bienal, rebate com uma circular acusando de bagunça a direção do festival.
No reino dos "paparazzi" (fotógrafos de futilidades), o Festival de Veneza está se lixando por quem vê, consegue ou deixa de ver um filme. Sua principal função parece ser uma porta (escancarada) para uma nova safra de filmes americanos que vão agora atacar o mercado europeu.
Ainda bem que entre porcarias como "Waterworld", o fiasco de Kevin Reynolds com Kevin Costner, e o intragável "Braveheart", de Mel Gibson, a seção "Noites Venezianas" selecionou o ótimo "Strange Days", que James Cameron escreveu especialmente para a sua mulher Kathryn Bigalow dirigir: numa Los Angeles na virada do século e estranhas pessoas viciadas num jogo proibido, em disquetes que registram e reproduzem emoções humanas que são copiadas diretamente do cérebro.
Ainda bem que Veneza tem também emoções sinceras. A imprensa italiana comemorou com unanimidade o novo filme do mestre Michelangelo Antonioni "Para além das Nuvens" com manchetes como "O Renascimento de Antonioni", "O Triunfo de Antonioni" e "Veneza se dobra ao mestre Antonioni".
Encontro Antonioni no café da manhã da última segunda-feira, no jardim interno do Hotel des Bains e o seu sorriso é radiante ao lado de pilhas de jornais europeus.
O mestre da incomunicabilidade, tema que repete no novo filme, não consegue mais falar e andar direito depois do derrame que paralisou a metade direita do seu corpo. Mas com a mão esquerda estendida ele faz o gesto-pergunta de positivo ou negativo. Como na Roma das arenas...
Sobre os filmes da competição, um dos jurados me confidencia: o seu preferido é o português pervertido "A Comédia de Deus", do estranhíssimo cineasta-ator João Cesar Monteiro.
A figura de Monteiro, com as suas estranhas taras e fetiches levados ao cinema, especialmente a sua perturbadora coleção de pentelhos, é como um Woody Allen mais direto e menos psicológico.
Outros três bons filmes do festival, dos já tão distantes primeiros dias da competição, foram "Der Totmacher", do estreante alemão Romuald Karmakar, "Sem Remetente", do mexicano Carlos Carrera, e "Nothing Personal", do irlandês Thaddeus O'Sullivan. Os três trazem candidatos potenciais ao prêmio de interpretação masculina.
No filme mexicano, o octogenário ator de teatro Fernando Torre Laphame brilha no papel de um velho solitário de quem uma jovem vizinha se vinga enviando falsas cartas de amor. No filme alemão, George Gtz revive um temível personagem real dos anos 20, um "serial-killer" também acusado de canibalismo. No filme irlandês, Ian Hart, John Frain e Michael Gambon fazem voltar aos anos 70 e à ainda absurda "guerra de vizinhos" em Belfast, entre católicos e protestantes.
O'Sullivan teve o seu filme de estréia "A Noiva de Dezembro" lançado pela Mostra Internacional de Cinema.
O mesmo jurado confidenciou também a quase unanimidade pelo prêmio de melhor atriz, quando ainda faltavam ser vistos sete filmes: Sandrine Bonnaire e Isabelle Huppert por "La Cérémonie", de Claude Chabrol. Elas estão ótimas, mas falta mesmo é boa atriz neste festival italiano.
As melhores presenças femininas em Veneza, até agora, foram a cintilante negra Angela Bassett no futurista "Strange Days" e a dupla Kathy Bates e Jennifer Jason-Leigh em "Dolores Claiborne", de Taylor Hackford -um duelo de mãe e filha, no passado e no presente, sobre abuso sexual de uma criança e duas suspeitas de assassinato.
Dois filmes que justificam bem e dignificam a sua origem americana. Deve ser por isso que foram isolados fora de concurso.

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