São Paulo, sábado, 9 de setembro de 1995 |
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Grito dos Excluídos foi um alerta, diz bispo
FERNANDO MOLICA
Responsável pela Pastoral Social da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Demétrio afirmou à Folha que as manifestações ocorridas anteontem -7 de setembro, Dia da Independência- ajudaram a identificar a data com o exercício da cidadania. A maior manifestação ocorreu em Aparecida, a 173 km de São Paulo, principal centro de romaria católica do país e sede, há oito anos, no Sete de Setembro, da Romaria do Trabalhador. Lá, o grito reuniu cerca de 45 mil pessoas. Além de missa, houve ato público em que foram feitas reivindicações por reforma agrária, melhor distribuição de renda e contra o desemprego. A ausência, pela primeira vez, do presidente da CNBB -d. Lucas Moreira Neves- na manifestação foi ressaltada "talvez demais" na opinião de d. Demétrio. Disse que a forma como se deu a manifestação vai "tranquilizar os bispos que tinham apreensões de instrumentalização". A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha. Folha - Qual é a sua avaliação do Grito dos Excluídos? D. Demétrio Valentini - Acho que foi um bom serviço que a CNBB prestou para recuperar o Sete de Setembro para a cidadania. Nisso concordamos com o presidente da República: o dia precisa ser celebrado pelo povo. Folha - O sr. vinha dizendo que o Grito não era uma manifestação contra o governo federal. Os jornais, porém, destacaram protestos... D. Demétrio - O Grito é algo maior que um protesto contra. É uma convocação para todos nos sentirmos responsáveis. É uma convocação, um alerta para todos. É claro que precisamos identificar como distribuir as responsabilidades e perceber como evitar o processo de exclusão social. As novas tecnologias devem ser colocadas conscientemente a serviço do bem de todos. Caso contrário, isso irá desencadear um processo de concentração de poder, de riqueza e de exclusão. Folha - Houve, durante o Grito, críticas à política econômica, classificada de neoliberal... D. Demétrio - A política neoliberal é aquela que prioriza a dinâmica da própria economia. Nós achamos que a economia não pode se guiar simplesmente por critérios de lucro e de produtividade, que, embora sejam bons, não podem ser os únicos, nem os primeiros, nem os últimos. A economia precisa ser regulada eticamente. Folha - A política econômica do governo federal é neoliberal? D. Demétrio - Ela destá dentro de um contexto neoliberal. Mas um país não pode nunca se dispensar de regular o mercado para fazer as adaptações necessárias. Isso, para que os mais pobres não sofram as consequências piores do processo de modernização. Folha - Qual é a avaliação que os senhores fazem da atuação do governo Fernando Henrique Cardoso na área social? D. Demétrio - Nós achamos que ele tem um empenho muito claro, talvez com razão, no combate à inflação. Mas achamos que um governo precisa ter maior sensibilidade para perceber as dificuldades que o povo enfrenta. Um governo não pode se restringir ao combate da inflação. O Grito está prestando um favor ao governo. É uma contribuição política positiva. Quanto mais o governo escutar os clamores do povo mais poderá acertar. Folha - O sr. já disse que compartilhava da preocupação de outros setores com o risco de uma certa profanação do espaço religioso da Basílica de Aparecida. O sr. acha que isso foi evitado anteontem? D. Demétrio - Não houve absolutamente qualquer sinal de exploração do fato. Imagino que lá deveria haver pessoas com opções partidárias muito claras. Mas elas, em nenhum momento, usaram o fato para proveito limitado, para seu sindicato, para seu partido. Folha - Não houve favorecimento à CUT (Central Única dos Trabalhadores)? D. Demétrio - A CUT foi muito discreta. Deve ter apoiado a ida de muitos trabalhadores, não sei... Folha - Mas o Vicentinho (Vicente Paulo da Silva, presidente da CUT) falou no ato... D. Demétrio - Sim, mas tinha direito a falar. Havia um espaço lá, público, aberto, ele foi muito discreto no falar. Mas a missa no santuário foi muito tranquila e comovente. Folha - D. Lucas não foi à Aparecida. Pela primeira vez, o presidente da CNBB não esteve presente à romaria... D. Demétrio - Isso foi ressaltado talvez demais. Nós estamos em fase de transição. Foi eleito um presidente que não contava com a programação já estabelecida. É um fato que dá para absorver tranquilamente. Procurou-se induzir que o fato revela divisão na CNBB. Eu penso que não. A maneira como foi feita o Grito vai tranquilizar os bispos que tinham apreensões de instrumentalização. Folha - Há cerca de duas semanas, d. Lucas disse que a iniciativa do Grito não era da direção da CNBB, mas da Pastoral Social da entidade. D. Demétrio - Não acredito que ele tenha se expressado nesses termos. A CNBB está organizada em seis dimensões, a Pastoral Ssocial integra a dimensão sociotransformadora. Quem assume o serviço das dimensões o faz em nome de toda a CNBB. Texto Anterior: Estado só vai pagar dívida e servidores Próximo Texto: Ex-burocrata acumula oito rádios e cinco TVs Índice |
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