São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Governo pune prefeito que fez reforma

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINA DO MONTE ALEGRE(SP)

Governo pune prefeito que fez reforma
O "relógio da cidadania" mostra, no coreto da praça da cidade de Campina do Monte Alegre (SP), que a Prefeitura tem apenas R$ 13.917,92 em caixa para gastar até o fim deste mês.
O "relógio" é um placar eletrônico que mostra toda a movimentação financeira dos cofres municipais.
O prefeito Carlos Eduardo Vieira Ribeiro, 44, diz pensar até em renúncia. Ele acha que foi castigado por ter feito a coisa certa.
Ribeiro pôs em prática uma reforma administrativa com o qual o ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, pode até sonhar, mas jamais vai realizar.
Eleito pelo Partido Verde em 1992, acabou com o funcionalismo público na sua cidade, situada a 230 km da Capital. Todos os serviços são contratados de cooperativas e empresas.
Agora se encontra em uma situação complicada: o governo federal exige que a Prefeitura pague INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) pelos funcionários que não possui.
Pelo fato de não pagar o imposto que não deve, o INSS pediu o bloqueio dos recursos do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) de Campina.
Principal fonte de dinheiro da cidade, a Prefeitura recebe todo mês cerca de R$ 70 mil dessa cota que agora está bloqueada. Toda a arrecadação do município soma R$ 115,8 mil, um dos menores orçamentos de São Paulo.
A superintendência do INSS em São Paulo informou, por intermédio da assessoria de comunicação, que foi o próprio prefeito que criou uma situação irregular.
A assessoria se refere ao fato de a Prefeitura, além de não ter funcionários, utilizar como principal fonte de mão-de-obra a Multicooper, uma cooperativa incentivada pelo prefeito que realizar todos os tipos de serviços.
Para os diretores do INSS, uma cooperativa tem de realizar apenas um serviço específico e não se transformar numa agência polivalente, como em Campina, onde exerce atividades em todas as áreas da administração.
Vieira acha que o conflito com a União pode acabar com o seu modelo de administração, conhecido no interior de São Paulo como "democracia caipira".
Primeiro prefeito do município, antigo distrito que se emancipou de Angatuba (210 km a oeste de São Paulo), ele acha que paga o preço por ter inovado.
Logo que tomou posse, Vieira negociou com a Prefeitura de Angatuba a devolução dos 55 funcionários que herdou e proibiu a surgimento de novos "barnabés" municipais.
Contrariava, com a decisão, uma romaria de pessoas que o procurava para pedir emprego. Hoje, nem ele mesmo pode ser considerado um funcionário público: vive dos seus ganhos como fazendeiro e emprega o salário (R$ 627,22) na construção de uma igreja.
Salários
Segundo os cálculos do prefeito, se ele tivesse um quadro de funcionários compatível com os serviços que desempenha hoje, a Prefeitura desembolsaria 96% do seu orçamento com salários.
No momento, a cidade gasta 28% do total da sua arrecadação para prestar serviços acima da média da qualidade dos municípios vizinhos.
O número de analfabetos, por exemplo, é zero. Campina mantém um serviço chamado "Comando de Caça ao Analfabeto", que procura localizar pessoas que não sabem ler nem escrever.
"Fazemos qualquer negócio com eles para resolver o problema", conta o prefeito. "Oferecemos comida ou até um salário para a pessoa ser alfabetizada".
O saneamento básico também é outro ponto positivo: atinge 100% da cidade. Campina precisaria ter hoje pelo menos 150 funcionários para os seus 7.000 habitantes.
O choque com o INSS não é o primeiro que o prefeito trava com o governo federal. No fim do ano passado, o Banco Central o advertiu por causa do "campino real".
Era uma espécie de dinheiro local, em forma de vale, que funcionava para resolver o problema de troco no comércio do município.
Para o BC, a cidade não poderia emitir essa "moeda". No início desse ano, Vieira suspendeu o "campino".

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