São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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'Economista de 68' quer meio período para todos

VINICIUS TORRES FREIRE
DE PARIS

"Meio Período para Todos" não é uma frase de manifestações sindicais. É o título de um dos livros do economista, sociólogo e psicólogo francês Guy Aznar.
Aznar não é um utopista inconsequente, ou pelo menos seus clientes não pensam assim. Pagam pelos seus conselhos sobre reorganização do tempo de trabalho.
O economista escreveu quatro livros sobre o assunto, um deles publicado no Brasil ("Trabalhar Menos para Trabalharem Todos", Editora Scritta).
Ele acha que acabou mesmo a época de empregos abundantes. Propõe que se trabalhe menos, que o salário seja reduzido e que o Estado pague uma parte do corte.
"O PIB da França vai dobrar nos próximos 20 anos. O emprego vai cair pela metade. Para onde vai então a riqueza?", pergunta.
Aznar, 61, é um empresário "meia-oito". Presidiu o grupo ambientalista "Amigos da Terra", participou das manifestações de maio de 68 e já teve uma empresa de "treinamento em criatividade".
Hoje é sócio da mulher na "Réunion Service", empresa de consultoria em organização do trabalho. Dá expediente quatro dias por semana, oito horas por dia, como seus empregados.
Aznar falou à Folha sobre as perspectivas de solução do desemprego. Sem diminuição do tempo de trabalho, prevê uma sociedade extremamente dividida.
"Pode haver um maio de 1998, muito triste e muito violento", diz Aznar.

Folha - Nesta semana, sindicatos franceses e empresas, com o apoio do governo e dinheiro público, fecharam um acordo que dá as vagas abertas por aposentadorias antecipadas aos desempregados. O IG Metall (o forte sindicato dos metalúrgicos alemães) ameaçou greve se acabar o acordo antidesemprego que reduziu a jornada semanal para 28,8 horas. O que o sr. acha dessas iniciativas?
Guy Aznar - O acordo francês não é lá muito importante, regulamenta uma aberração.
Fixaram a idade mínima para aposentadoria em 60 anos e o tempo de contribuição em 40 anos. E quem começou a trabalhar com 18 anos? O acordo alemão é outra história.
Folha - É outra história, mas o francês não é só a correção de um erro. O governo vai botar dinheiro no acordo e, na mídia, os sindicatos dizem que o acerto cria empregos imediatamente.
Aznar - Sim, mas não é nenhuma revolução, é uma receita mecânica, que nem merece ser discutida como solução.
Folha - Então qual é a discussão séria sobre desemprego?
Aznar - Hoje circulam na França três tipos de solução do problema. O primeiro é do governo (do primeiro-ministro Alain Juppé, conservador), que combina medidas liberais, como diminuição de encargos sociais, com medidas keynesianas, para aumentar o número de empregos. Podem resolver uma parte do problema, dentro do sistema atual, por enquanto.
A segunda solução, resumidamente, admite que o número de empregos será sempre insuficiente. Pretende repartir melhor as oportunidades de trabalho, diminuindo o tempo da jornada, em geral, somente. É a solução socialista (de Lionel Jospin, candidato derrotado à Presidência).
Mas falta detalhar problemas como o modo de evitar a queda de produtividade, as formas de redução salarial.
A terceira solução, a que defendo, é a redução do tempo de trabalho, planejada, com realocação de recursos e criação de novos tipos de renda. Não será possível que todos trabalhem em jornada integral dentro de uns 20 anos.
Folha - Sua proposta tem fundamento econômico?
Aznar - Bom, para que isso funcione, estamos falando de dinheiro, tem que haver redução de salários com uma coisa que chamo de segundo contracheque (holerite). Você trabalha 20% menos, a empresa te paga 20% menos, e uma redistribuição de riqueza através do Estado te reembolsa 10% do salário, por exemplo. Já há uma lei que regula isso na França.
Há outras estratégias, com mais ou menos redução de trabalho e salário: jornada menor, dias livres, férias sabáticas. Eu e outros pesquisadores analisamos 151 destes casos em empresas francesas, acordos de 1992, 1993.
Folha - Eram grandes empresas? Quais, por exemplo?
Aznar - Dassault (aviões), Thomsom (que disputou a concorrência dos radares na Amazônia), a Bull (informática), o Crédit Lyonnais (maior banco da França).
Isto não é, absolutamente, assistencialismo. Nos próximos 20 anos a riqueza francesa deve dobrar e os empregos vão cair pela metade. Ou há exclusão social, uma sociedade extremamente dividida, um cenário muito negativo, mesmo de violência, ou chegamos à conclusão de que o trabalho não vai ser a única fonte de renda e criamos uma nova sociedade, com um novo uso do tempo livre.
Folha - E vai haver dinheiro? A Seguridade Social francesa, por exemplo, vem tendo déficits de US$ 10 bilhões por ano...
Aznar - Parte do financiamento já existe, por lei. De onde virá mais dinheiro? O bolo está crescendo, só o emprego e o tempo para produzir a riqueza é que estão diminuindo! Não há um problema "teórico", há um problema...
Folha - Político?
Aznar - Não só! Psicológico, vamos dizer assim. Distribuir dinheiro para gente em dificuldades, ajudar os pobres etc, tudo bem. Agora, diminuir a jornada, diminuir a renda por aqui, aumentar por ali, realocar recursos, isso ainda não entra na cabeça das pessoas.
Folha - Bom, mas volto a questão, a riqueza cresce e o déficit público francês também. Ainda não parece claro que vai haver dinheiro para redistribuir. E a produtividade das empresas, não vai diminuir?
Aznar - As despesas sociais (a saúde, aposentadoria, seguro-desemprego e renda mínima) são financiadas pelo trabalho. Bom, estas despesas aumentam, e aumenta também o financiamento estatal à diminuição do tempo de trabalho. Só diminui o emprego.
Temos que financiar estas despesas com outras fontes: consumo, consumo de energia, outros tipos de renda pessoal. É idiota taxar o trabalho. Agora, isso não vai funcionar se aumentarem as despesas das empresas. Mais despesas para as empresas vão derrubar a produtividade.
Folha - Como vai ser a mudança? Os sindicatos e partidos, me parece, têm propostas bem mais tradicionais que as do sr.
Aznar - Você tem razão, excluindo a CFDT (Confederação Francesa do Democrática do Trabalho, a mais nova das cinco grandes centrais sindicais de atuação nacional), que tem boas propostas.

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