São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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CNBB tenta conter 'excessos' de campanha

FERNANDO MOLICA
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Os textos da campanha da fraternidade para 1996 refletem a divisão de tendências na direção da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) ocorrida desde a eleição, em maio passado, de d. Lucas Moreira Neves para presidente da entidade.
Arcebispo de Salvador (BA) e muito ligado ao papa João Paulo 2º, d. Lucas é um crítico dos "excessos" da Teologia da Libertação -corrente que enfatiza a necessidade de mudanças sociais e que inspirou a atuação da CNBB nos últimos anos.
Criada na década de 60, a campanha da fraternidade é um conjunto de ações e debates sobre temas religiosos, políticos e sociais.
O tema da campanha de 96, aprovado na gestão anterior à de d. Lucas, é "Fraternidade e Política". O lema da campanha será "Justiça e Paz se Abraçarão".
A Folha apurou que o texto-base da campanha sofreu algumas adaptações que visaram adaptá-lo à nova correlação de forças existente na entidade.
O secretário-geral da entidade, d. Raymundo Damasceno, ligado a d. Lucas, chegou a recorrer a um padre não-ligado à CNBB para amenizar o texto-base, preparado por uma equipe de assessores indicados ainda na gestão anterior.
Chegou a haver, por parte da presidência da CNBB, preocupação com a utilização, no texto-base, do poema "O Analfabeto Político", do teatrólogo alemão e militante socialista Bertold Brecht (1898-1956).
O poema -que critica os que dizem não se interessar por política- acabou mantido no texto.
Os textos aprovados assumem as críticas ao neoliberalismo, às reformas constitucionais, ao "predomínio das regras de mercado" e ao processo de globalização da economia feitas em documentos anteriores da entidade.
Ao mesmo tempo, porém, é feita a ressalva de que não há "qualquer tipo de veto ou prevenção contra as aplicações de capital estrangeiro na economia brasileira".
Na mesma linha de procurar atender a diferentes concepções políticas, o texto-base critica "os membros da elite", mas faz ressalvas quanto a vícios que permaneceriam em movimentos populares.
A condenação às elites é seguida, porém, de uma crítica ao "autoritarismo", reproduzido, segundo o texto, em movimentos populares e sindicais.
O texto-base afirma que a campanha de 96 será uma continuidade da de 95, que abordou o tema dos excluídos -pessoas que são colocadas à margem do desenvolvimento econômico e social.
A celebração do início do terceiro milênio -uma das prioridades do papa João Paulo 2º- tende a se constituir em mais um capítulo da disputa entre "progressistas" e "conservadores".
A reunião do conselho permanente da CNBB, realizada no mês passado em Brasília, mostrou que a discussão sobre a forma de comemorar o início do terceiro milênio -que marca também os 2.000 anos de nascimento de Jesus Cristo- tende a polarizar as discussões na entidade.
Primeiro, a CEP (Comissão Episcopal de Pastoral, de maioria "progressista") aprovou o tema "A Fraternidade e os Encarcerados" -o assunto visa permitir discussões sobre prisioneiros, Justiça e impunidade.
Logo depois, o conselho permanente da CNBB aprovou o lema "Jesus Cristo liberta de todas as prisões". O conselho reúne 29 bispos, entre eles os integrantes da CEP e da presidência da entidade.
O arcebispo do Rio, d. Eugênio Sales, um dos líderes conservadores, alegou que seria mais importante buscar um enfoque mais condizente com o advento do terceiro milênio. Os "progressistas" reagiram, e d. Eugênio desistiu das mudanças para 97.

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