São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Sacerdote quer criar pastoral gay

Padre propõe atender "excluídos"

CARLOS MAGNO DE NARDI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sacerdote quer criar pastoral gay
Depois de acompanhar pela imprensa vários eventos destinados ao público gay, o padre José Antonio Trasferetti decidiu lançar um desafio à Igreja Católica: a criação da Pastoral dos Homossexuais.
Pastorais são os órgãos responsáveis pelos trabalhos da igreja nas comunidades.
Trasferetti, 38, é professor de Teologia Moral na Puccamp (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) e sacerdote na paróquia de São Geraldo Magela, periferia de Campinas (99 km de São Paulo). Estudou Teologia Moral em Roma e foi ordenado em 1983.
Sua proposta -ainda não encaminhada oficialmente à Arquidiocese de Campinas- é desenvolver trabalhos conjuntos na comunidade e discussões voltadas a pessoas que, ao se depararem com a própria homossexualidade, ficam "excluídas" do mercado de trabalho, da família e da sociedade.
O padre, porém, prefere o silêncio quando perguntado sobre polêmicas como o homossexualismo dentro da igreja. "Minha proposta é para leigos", diz.
O arcebispo da Arquidiocese de Campinas, d. Gilberto Pereira Lopes, a quem Trasferetti está subordinado, não quis comentar o assunto. "Prefiro me pronunciar somente quando houver um pedido oficial."
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, por telefone, na sexta-feira.

Folha - O sr. poderia esclarecer a proposta da Pastoral dos Homossexuais?
José Antonio Trasferetti - Isso surgiu a partir de eventos muito divulgados pela imprensa, na própria Folha. Refleti e coloquei como um desafio.
Na igreja não se tem nada voltado de forma institucional para atender esse público, que, segundo algumas estimativas, chegaria a algo em torno de 15 milhões de pessoas.
Folha - Como se daria esse trabalho?
Trasferetti - Nós estamos amadurecendo essa idéia. O que eu sinto é que existe uma demanda grande.
Eu penso em um atendimento, um acolhimento, dando ênfase a grupos de pessoas da periferia, pobres, jovens que não encontram acolhida na escola, na família, na sociedade, na igreja. Estou pensando nas pessoas que, quando se defrontam com a homossexualidade, ficam excluídas, ficam à margem, porque não encontram emprego, porque a família exclui, porque o próprio pai e a mãe não têm condições de conversar, e eles vão se sentindo rejeitados e se excluem.
É nesse sentido que pensamos. Esses seres humanos precisam ser amados e respeitados. Isso tem razões bíblicas.
Quando Jesus Cristo passou pelo mundo ele justamente atendeu a prostitutas, pobres, esse povo que está à margem.
Folha - O senhor tem discutido o assunto com quem?
Trasferetti - Eu tenho conversado com estudantes universitários, padres, agentes de pastorais da periferia, com a Pastoral da Mulher Marginalizada. Temos discutido a operacionalização da proposta. No geral pessoas de bom senso têm apoiado a idéia.
Folha - Funcionaria, então, por grupos de discussão?
Trasferetti - Eu penso que em primeiro lugar é preciso quebrar os preconceitos, depois criar espaços para que essas pessoas possam se manifestar. Precisamos pensar também num acolhimento que dê a elas condições de se encontrar.
Depois, ajudá-las a viver melhor: não se prostituindo, não se drogando, se reintegrando, encontrando emprego.
E seria muito importante levar informação sobre educação sexual, sobre doenças venéreas, Aids etc.
É preciso também fazer um trabalho de esclarecimento da população para que não se descrimine a priori qualquer um. Temos de quebrar esse preconceito de discriminar as pessoas pela sua condição sexual.
Folha - Esse assunto tem vários lados polêmicos. O primeiro é a própria concepção da Igreja Católica sobre o homossexualismo. O segundo é que essa proposta reacende a discussão do homossexualismo dentro da igreja...
Trasferetti - Talvez as autoridades nem queiram mexer muito nisso porque pode levar a esse tipo de interpretação. Agora está passando um filme, "O Padre", que mexe justamente nisso. Com o tempo, isso vai entrar na discussão, mas por enquanto é melhor falarmos apenas sobre a proposta da pastoral, que é voltada para leigos.

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