São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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O milagre das verbas

JANIO DE FREITAS

"Acabou a intermediação política de verbas." Ora até que enfim. Mas a ênfase patriótica do presidente no Sete de Setembro não acabou com as dúvidas suscitadas por certas verbas que não caíram do céu.
Já foi noticiado que o pedido de R$ 2,8 bilhões feito ao Congresso pelo governo, para gastos além dos previstos no Orçamento deste ano, ressuscitam verbas de parlamentares que Fernando Henrique havia vetado, quando da montagem orçamentária. A ressurreição não é tudo, porém. Nem é o conflito mais importante com a afirmação presidencial posta lá em cima.
Apesar do espanto causado nos parlamentares, até do seu próprio partido, o governo nem ao menos tentou explicar por que, além de restaurar os pedidos de deputados e senadores, multiplicou milagrosamente os montantes das verbas.
Salvo um ou outro caso mais estapafúrdio, as propostas de parlamentares para o Orçamento baseiam-se em estimativas de custos, no caso de obra, feitas no Ministério dos Transportes, em prefeituras ou em empreiteiras. Não há como entender os aumentos agora feitos pelo governo. Os aumentos não guardam relação com o índice inflacionário nem critério entre si. São formidáveis, simplesmente.
É bem o caso dos R$ 318 mil que o deputado Hilário Coimbra pediu para o trecho rodoviário Santarém-Rurópolis. Fernando Henrique vetou os R$ 318 mil no Orçamento e agora concede, para a mesma obra, R$ 10 milhões. Mais de 30 vezes acima do montante pedido pelo deputado. Os R$ 216 mil propostos pelo deputado Pinheiro Landim e vetados, renasceram quase 20 vezes maiores, com R$ 4 milhões para o trecho cearense Jaguaribe-Senador Pompeu. O pedido de Edson Andrino, de R$ 1,3 milhão para a Navegantes-Blumenau, antes considerado inaceitável pelo governo, foi agraciado com R$ 5 milhões.
A relação é grande, com ressurreições e multiplicações que não se sabe se mais condenam os vetos anteriores ou o presente de agora. De uma das duas condenações o governo não escapa. E o provável é que mereça as duas.
Preparado pelo Ministério do Planejamento, o exótico pedido de crédito suplementar já está cumprindo uma condenação no Congresso, mas por outra irregularidade. É que os vetos presidenciais ao Orçamento não foram apreciados pelo Congresso, para os aceitar ou rejeitá-los. Logo, não caberia ainda o pedido de verbas suplementares. O que levou o presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, a mandar o pedido para o banho-maria: "Não haverá exame de crédito suplementar enquanto não houver o exame dos vetos."
"Acabou a intermediação política de verbas", mas, sem a hipótese de razão política para as ressurreições e multiplicações, o governo ficaria em situação ainda pior. Porque, neste caso, a hipótese lógica que resta é de que as emendas de parlamentares estão sendo usadas, não para agradá-los, mas para agradar empreiteiras.
É só fazer
A solução é simples. Mas não está em cobrar do Congresso, como fez o presidente também, no Sete de Setembro, uma lei "tipificando o crime de tortura, que é uma exigência constitucional". No dia em que estiver mais interessado nesta lei do que em discurso televisivo, Fernando Henrique não precisará mais do que mandar ao Congresso o respectivo projeto e ativar seus parlamentares para aprová-lo.
Será a ocasião de fazer como presidente o que pôde fazer e não fez como senador, tal como os ex-colegas a quem cobra a iniciativa.
As espertezas baratas dos políticos são muito enjoativas.

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