São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Uma nova forma de academia

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalho mais perturbador de Bruce Baugh, professor de filosofia da Universidade de Cariboo, no Canadá, tem pouco a ver com os mais usuais temas acadêmicos. Baugh tenta estabelecer, por meio da crítica do juízo do filósofo Immanuel Kant, a possibilidade de uma "estética do rock".
"Prolegômenos a uma Estética do Rock" foi publicado no "Journal of Aesthetics and Art Criticism", em 1993, e traduzido no Brasil um ano depois, no número 38 da revista "Novos Estudos Cebrap".
"Com esse artigo só enfrentei refutação e polêmica", Baugh falou à Folha, por telefone, de sua casa, na Província de Colúmbia Britânica. Para esse filósofo, que deseja se debruçar sobre os "temas contemporâneos", as novas noções e valores da cultura começam, de maneira irreversível, a penetrar na academia.
(MR)

Folha - Por que a necessidade de levar a chamada "cultura pop" para o interior do meio acadêmico?
Bruce Baugh - Um dos elementos essenciais para entender o que acontece é perceber quem está nas universidades agora. Sou um exemplo disso. Cresci sob a égide do rock. Pessoas que crescem com a imagem de uma figura como Madonna, por exemplo, no futuro vão estar interessadas em estudar esses mesmos assuntos.
Folha - Mas esse parece ser o pesadelo realizado de um pensador como Adorno. O sr. acredita que hoje seja impossível a separação entre alta e baixa cultura?
Baugh - Talvez a visão da cultura ameaçada pela barbárie de Adorno seja fruto de sua educação extremamente sofisticada. Sua cultura era a dos grandes compositores, a chamada alta cultura. Alta cultura era "a cultura" para ele, que foi incapaz de aceitar o jazz como música. Então ele nega o que não conhece.
Folha - Pode-se colocar um poeta como T.S. Eliot e um compositor como Bob Dylan em um mesmo nível.
Baugh - Eu não cometo esse tipo de engano. Não acho que se deva julgar as canções de Bob Dylan da mesma maneira que a academia analisa a poesia de T.S. Eliot. Eliot trabalha com a linguagem, mas seu tema é a realidade imediata. Dylan também, mas ele não é escritor. Seu meio é a canção.
Folha - A que o sr. credita o fato de que alguns signos da alta cultura sejam diluídos para o consumo?
Baugh - A contaminação não é uma via de mão única. Temos vários exemplos dessa troca de informação entre as consideradas alta e baixa culturas, como no romance "O Papagaio de Flaubert", de Julian Barnes. Acho que o meio acadêmico se interessa cada vez mais pelo novo. E isso ajuda as duas frentes a atravessarem a linha demarcatória.

Texto Anterior: O vírus da alta cultura
Próximo Texto: Crítico americano vê riscos da banalização
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.