São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Crítico americano vê riscos da banalização

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1991 o crítico de arte americano Adam Gopnik, ao lado do curador Kirk Varnedoe, organizou no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) a exposição "High & Low". Era uma tentativa de mostrar que as grosseiras separações entre alta e baixa cultura foram rompidas pela arte moderna, de Picasso a Cindy Sherman.
Escrevendo na "New Yorker", uma das mais sofisticadas revistas culturais, Gopnik, 37, é capaz de refletir -com a mesma competência com que revê o impressionismo francês ou ataca a instalação como linguagem estética- sobre a permanência da música dos Beatles em meio à massiva e indigente indústria pop.
Hoje, quatro anos depois de "High & Low", Gopnik continua julgando "frutífera" a inter-relação entre os registros culturais. Ele falou à Folha por telefone, de Nova York.
(DP)

Folha - Desde "High & Low" a cultura parece ter misturado cada vez mais o que antes era chamado de elitista e popular: personagem de romance baseado em Wittgenstein, filme sobre Eliot etc. O que o sr. acha disso?
Adam Gopnik - Acho que existe uma vontade de tornar acessível a alta cultura, mas há uma ilusão nisso. Tentamos mostrar em "High & Low" que essas inter-relações não significam que as coisas tenham o mesmo valor a princípio. Há coisas mais complexas, como as idéias de Wittgenstein.
Pense bem. O que ele escreveu é bastante complicado, até vago; mesmo seu texto, sintaticamente, é difícil. Não sei explicar o que atrai nele exatamente. Ele exige leitura, conhecimento, esforço, e as pessoas não possuem isso.
Mas há uma diferença entre um livro com um personagem inspirado em Wittgenstein e um filme como "Tom & Viv", que é uma piada, uma colcha de mentiras feministas. Este tipo de produto tenta, claramente, "facilitar" o mundo para as pessoas -como se qualquer um pudesse escrever "The Waste Land" (o poema mais famoso de Eliot) se não for obstado por pai, marido ou amante. Nutre-se do complexo de inferioridade da maioria das pessoas.
Folha - O sr. acha que esses cruzamentos entre alta, média e baixa culturas podem render boas obras de arte? Ou apenas bons entretenimentos?
Gopnik - Ambos. Podem sair coisas divertidas, assim como criativas ou mesmo informativas. Elas podem ser especulações espertas, como o livro de Alan Lightman ("Os Sonhos de Einstein"), ou então divertimentos interessantes.
O que temos de fazer é essa distinção. Dizer claramente: "A intenção é tal, foi ou não foi realizada, por este ou aquele motivo".
Folha - Pensadores como Adorno previam uma pasteurização e banalização da cultura na sociedade de massas. Em certo sentido, a arte hoje vive uma crise de referências grave. Essa glamourização da alta cultura teria a ver com isso?
Gopnik - Talvez; há uma saturação evidente. Mas é possível afirmar que a pasteurização e banalização são inevitáveis. Mas há tantas exceções -como tentamos mostrar em "High & Low"- que não se pode generalizar.
Acho que temos de deixar essa idéia de "apocalípticos" e "integrados" de lado. Abandonar os preconceitos genéricos. Precisamos apenas manter em mente que essas inter-relações culturais podem ser muito, muito frutíferas, como nas telas de David Salle, nos livros de Martin Amis ou nos filmes de Martin Scorsese.
Folha - Nas artes plásticas hoje vemos muitos trabalhos que lidam com conceitos científicos, com assuntos como genética e neurologia. Por quê?
Gopnik - Há algumas características específicas no caso das artes plásticas. A chamada "arte conceitual", como diz o nome, trabalha com conceitos -e os busca na ciência, frequentemente.
Acho saudável. Neurologia e genética são exemplos muito bons, porque são assuntos bastante atuais e fundamentais. É bom que a arte esteja tratando deles. Claro que há outra questão essencial: como ela trata? Na maioria das obras, faz-se apenas uma referência a determinado conceito ou teoria -e basta. Assim é fácil. Mas há exceções, como em tudo.

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