São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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O jeito americano de não fazer sexo

GILBERTO DIMENSTEIN

Localizada na Virgínia, Charlottesville é uma pequena cidade onde foi elaborada uma das propostas sexuais mais exóticas que já ouvi.
Universitários escreveram um código de conduta para um relacionamento "civilizado", num país que, por ano, tem 150 mil casos registrados de estupro, muitos deles nas universidades.
Se o garoto quiser ir além do cinema com pipoca, deve obter uma autorização de sua convidada. Notem: autorização por escrito.
Com esse contrato, ele estaria livre de qualquer acusação de abuso. Não sei qual o impacto dessa medida na vida sexual dos jovens de Charlottesville, mas desconfio de que os professores da aposentada estenografia iriam voltar a ganhar dinheiro.
Antes de chegar aqui, imaginava que os relatos sobre a histeria feminina contra os homens nos Estados Unidos tivessem uma pitada de exagero.
Estava enganado: é pior. Já fui advertido, por exemplo, de que homem casado sem aliança no dedo (meu caso) é suspeitíssimo, elevado para a galeria dos espertalhões prestes a enganar donzelas.
Vejo pela televisão meninas em solenes cerimônias assinando compromisso de virgindade até o casamento.
"A histeria sexual é um dos mais marcantes traços do comportamento atual americano. É uma sociedade com ojeriza ao toque físico. Nesse particular, os brasileiros estão anos luz à frente", diz o antropólogo Roberto da Matta, que, só recebe suas alunas na Universidade de Notre Dame, onde dá aulas, e de portas escancaradas.
Espalham-se pelas empresas e repartições públicas processos por abuso sexual. Como a mulher é, por definição, vítima, e o homem, essencialmente, malandro, a sentença é lavrada por antecipação.
Até se explicar, perdeu o emprego e os amigos. O abuso sexual pode ser, às vezes, um convite para jantar, interpretado como cantada ou elogio mais malicioso deixado no correio eletrônico.
Ou mesmo o olhar mais compenetrado a pernas torneadas. Claro que, num país de advogados, processo por abuso sexual virou um jeito de ganhar dinheiro -pelo menos uma brasileira demitida de uma empresa, e casada com um advogado, já ganhou uma bolada.
Para evitar complicações, um brasileiro que está na direção do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, jurou -e está cumprindo a promessa- que não entra em elevador sozinho com uma mulher.
O resultado da histeria é a desmoralização de uma boa causa, como o respeito aos direitos das mulheres, e a neurotização ainda maior do sexo.
O ator espanhol Antonio Banderas ("Filadélfia", "Os Reis do Mambo") está virando símbolo sexual, numa volta do latin-lover.
Michael Jackson não pára de aparecer em vídeos com cenas próximas a pornografia.
Mais explícita, a cantora Madonna faz da exploração do sexo o segredo do seu sucesso.
Batalhões de mulheres compram um sutiã que reforça o tamanho do seio. Não são poucas as que, nas férias, viajam para lugares sugestivamente exóticos como o Haiti, a Itália ou a África do Sul.
PS - Por falar em exotismo, dispararam as vendas de uma cueca com enchimento para reforçar o traseiro masculino.

Boa notícia a uma parte da "refinada elite brasileira. A Universidade de Columbia (Nova York) está para divulgar que a acupuntura é um método eficaz no combate ao vício da cocaína.

Causou boa impressão (e com razão) na turma de direitos humanos dos EUA, ligada à América Latina, o fato de Fernando Henrique Cardoso usar o dia 7 de Setembro para atacar a impunidade. Acertou em cheio: não se separa o conceito de independência nacional de independência individual.
Se, porém, seu projeto de direitos humanos for igual ao plano social, vai estar mais para a morte do que para a independência.
PS - Por falar nisso, nada melhor para mostrar nosso estado de selvageria do que a lista de analfabetismo divulgada nesta semana pela Unesco: estamos em sétimo lugar, piores do que países muito mais pobres.
Sempre é bom lembrar o critério tolo para se medir analfabetismo no Brasil. Basta saber ler e escrever um bilhete rudimentar. Se fosse mais rigoroso, o que são 19 milhões de analfabetos pulariam para, pelo menos, 60 milhões.

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