São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Presidente condiciona reforma tributária

DO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

O presidente Fernando Henrique Cardoso condicionou ontem o sucesso da reforma tributária à aprovação pelo Congresso da reforma administrativa.
FHC disse que há uma legislação que provoca "aumento vegetativo" da folha de salários. No caso da União, de 2% ao mês, ou seja, cerca de 30% ao ano: "Não há reforma tributária capaz de recolher, em termos reais (descontada a inflação), 30% a mais. A sociedade não vai aceitar pagar".
As declarações foram feitas em entrevista coletiva concedida a partir das 18h (13h em Brasília) no Hotel Conrad, onde se hospeda em Bruxelas. Leia a seguir trechos da entrevista.

VÍTIMAS DO REAL
FHC afirmou que o período de perdas sofridas por setores da classe média após o Real "já se aproxima do seu final. Os mecanismos de mercado já estão funcionando". O presidente disse: "Os aluguéis, por exemplo, já começam a diminuir", e que há "indicações de que os preços dos restaurantes começam também a se ajustar".
Quanto às mensalidades escolares, admite que é "uma situação muito mais complexa, porque há uma legislação específica", mas diz que "vai acontecer a mesma coisa". Para FHC, "quando a inflação dá a ilusão da folga, as pessoas não prestam atenção aos preços. Quando não tem essa ilusão, começam a ajustar mais as suas disponibilidades ao custo de vida e reagem mais à subida de preços".

BASE PARLAMENTAR
"Não há instabilidade nem fragilidade, tanto que o governo não perdeu nenhuma votação até agora." FHC lembrou sua frase ao presidente Bill Clinton, na visita aos Estados Unidos, de que ele, Clinton, tinha uma "maioria organizada contra" e FHC tinha uma "maioria desorganizada a favor". "Divergências fazem parte do jogo democrático. Ou se tem indicações objetivas (sobre dificuldades) ou tudo passa a ser percepção", disse. "A base do governo não está composta por dois partidos, mas por meia dúzia de partidos, eu diria que mais do que meia dúzia. Então, não há essa aflição sobre qual vai ser o resultado (das votações sobre reformas)."
FHC tratou também das dificuldades com o ex-presidente José Sarney e fez questão de negar que tivesse criticado o Plano Cruzado (Sarney acha que sim, tanto que escreveu artigo na sua coluna da Folha para defender o plano).
O presidente afirmou ainda que o governo não imaginava que "a emenda que fosse mobilizar mais apoio fosse a emenda sobre questões administrativas".
Depois, ele próprio deu a causa do apoio "caloroso" por parte dos governadores, até os de oposição: "As folhas de pagamento de alguns Estados estão subindo de 2% a 3% ao mês, sem que o governador tenha dado aumento".
FHC diz que há uma legislação que provoca "aumento vegetativo" da folha de salários. No caso da União, de 2% ao mês, ou seja, cerca de 30% ao ano. "Não há reforma tributária capaz de recolher, em termos reais (descontada a inflação), 30% a mais. A sociedade não vai aceitar pagar."

FINANCIAMENTO EXTERNO
O presidente queixou-se aos empresários belgas de que o Brasil está pagando mais do que está recebendo de instituições como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. "Alguma coisa está errada".
Depois, na entrevista coletiva, repetiu sua pregação em favor de mudanças no funcionamento do Fundo Monetário Internacional. Pediu mais margem de manobra e mais recursos para o fundo, além de uma capacidade de mobilização mais rápida dos recursos, "como já ocorreu no caso da Argentina".
Para FHC, há necessidade de informações mais aprofundadas não só sobre os países em desenvolvimento, mas também e principalmente sobre desenvolvidos. "Não se pode esperar que a situação apodreça para então agir".

SETOR AGRÍCOLA
O presidente diz não acreditar que "haja queda preocupante da produção agrícola. Ainda é cedo para fazer uma avaliação sobre a área plantada, sobretudo o consumo de insumos".
FHC afirmou que o governo "tomou todas as providências que estavam ao seu alcance na questão do financiamento". Mas admitiu que ficou de pé a "questão do passado", ou seja, as dívidas já contraídas pelos agricultores e a inadimplência de muitos deles.
O presidente acha mais importante, para a agricultura, o fato de ter proposto reformas que reduzem a taxação sobre o setor e diminuem os impostos sobre as exportações agrícolas. "Têm mais efeito do que subsídios diretos".
Garantiu que "o governo está muito atento" aos problemas da agricultura, mas não vê risco ao Plano Real por esse lado. "Temos estoques como há muito tempo não tínhamos", justificou.
Pela manhã, em improvisada entrevista, FHC tratou também da possível saída do ministro da Agricultura, José Eduardo de Andrade Vieira. Elogiou-o muito, tratou-o de amigo e disse que o ministro não vai deixar o cargo.

PRIVATIZAÇÃO DA VALE
FHC confirmou ter enviado carta ao líder do PMDB no Senado, Jáder Barbalho (PA), para dizer que o governo ainda não sabe qual é o modelo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
Informou que a lei manda contratar dois consultores para desenhar o modelo de privatização.
Quanto à crítica prévia, de que a privatização será feita por um valor que não leva em conta os recursos naturais ainda não explorados pela empresa, disse: "As riquezas naturais são da União, não da Vale, e vão continuar sendo".
Depois, alfinetou os críticos: "Antecipam nuvens quando o céu ainda está azul".

ITAMAR
Confirmou que o ex-presidente "pode desejar" deixar a embaixada em Portugal quando terminar o mandato (em março) do presidente português, Mário Soares.
Diz que não discutiram, no encontro de quarta-feira, em Bruxelas, a possível ida de Itamar para a OEA (Organização dos Estados Americanos), com sede em Washington, onde a namorada do ex-presidente, June, tem os filhos. "Em tese, por que não?", perguntou, sobre tal transferência. E acrescentou que, pelas relações que os dois mantêm, Itamar poderia ir tanto para a Índia como para Washington, ou ficar no Brasil.

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