São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Pilotos de jet ski não devem esperar pelo linchamento

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Uma jovem matou um menino no litoral norte de São Paulo durante os feriados atropelando-o com seu jet ski. Banhistas que estavam na praia e testemunharam o fato tentaram linchar o pai da homicida. Esse é o resumo da tragédia que encerrou uma esperança promissora com a morte da vítima e que trouxe densas sombras e anos de sofrimento para a autora do delito e sua família.
A tentativa de linchamento -ainda que pronta e adequadamente impedida pela polícia, segundo o noticiário dos fatos- não pode ser tratada de modo inconsequente. Retrata a atitude geral de revolta, encontrada nas praias do litoral norte do Estado, contra os abusos que, entra ano, sai ano, geram tragédias semelhantes nos grandes feriados ou nas férias.
Qualquer pessoa sabe que seu direito termina onde começa o direito do outro. Nas praias paulistas, durante o verão, para cada piloto de jet ski, empolgado com suas manobras, radicais ou não, há milhares de pessoas, adultos e crianças, nas areias ou dentro da água.
Nas praias de tombo são raros os que avançam mar adentro. Todavia, nas de mar calmo, é comum dar pé até a muitos metros de distância da areia. Aliás, quem gosta de nadar no mar só pode fazê-lo distante das águas rasas, pois nessas há, além do fluxo das ondas, o maior número de banhistas.
Em resumo: os praticantes do jet ski têm direito de utilizar suas máquinas e se divertir. Todavia, não têm direito de interferir direta e constantemente no sossego, na segurança e no lazer dos demais, além de perturbar a tranquilidade média das mães e pais, em relação a seus filhos.
Há, para tanto, uma circunstância a anotar: nunca se sabe se o piloto que está se exibindo no mar é competente e cauteloso em sua arte ou um inepto irresponsável. Entre a crença do piloto na sua própria capacidade de conduzir a máquina e a verdade há, em geral, uma grande distância.
Fala-se que o uso dos jet skis deve ocorrer a pelo menos duzentos metros da areia. É pouco. Em primeiro lugar porque o barulho que provocam e a agitação do mar causada pelas manobras são fonte de intranquilidade para quem está nadando ou brincando na água. Em termos quantitativos, cada usuário de jet ski interfere na tranquilidade de muitos causando preocupação a dezenas ou centenas de pessoas. Nas férias e nos feriados longos chegam a dezenas de milhares.
Por outro lado, a graça do uso dessas máquinas, estimulada por exibições em competições internacionais, vistas na televisão, consiste em manobras que exigem habilidade e domínio técnico. Domínio variável, conforme a capacidade do piloto, a força da máquina e as condições da água, mais calma ou agitada.
As praias calmas do litoral norte facilitam manobras ousadas. Entretidos no seu desenvolvimento, nota-se que os pilotos de jet ski se esquecem do sossego alheio, o que torna compreensível -embora reprovável- a reação dos que quiseram linchar o pai da mocinha que matou o menino.
Necessária e digna de apoio será a reação do Ministério Público e do Judiciário na consideração de que as condutas dos pilotos de jet ski que causem danos pessoais são dolosas, ante a certeza do risco que envolvem.
Ninguém pode se aproximar da faixa dos banhistas sem saber que pode ferir ou matar alguém. A gravíssima assunção do risco não deixa dúvida. Não é inteligente que os pilotos de jet ski mais ousados aguardem um linchamento de um deles para meditarem sobre a necessidade de respeito do direito alheio.

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