São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Comentário preconceituoso gera condenação por racismo

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Condenações por racismo são raras na jurisprudência brasileira. O fato deve-se, principalmente, à dificuldade em obter provas de discriminação ou preconceito racial, e a interpretações errôneas da lei que define os crimes de racismo.
Mas há exceções. No dia 30 de agosto, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo condenou o radialista Itamar Alves de Oliveira, conhecido como Oliveira Júnior, por incitação à discriminação racial.
O comentário que motivou o processo criminal e a condenação de Oliveira Júnior foi feito durante um programa, às 12 horas do dia 8 de abril de 1991, levado ao ar pela Rádio São Carlos (de São Carlos, 244 km a noroeste da capital).
Segundo o texto do acórdão, o locutor, ao transmitir uma notícia sobre furto, a introduziu com a fala: "só podia ser preto...". Lida a notícia, como os suspeitos eram dois brancos e um negro, ele acrescentou: "cana neles, principalmente no preto".
Para o relator do processo, desembargador Celso Limongi, o locutor incitou, por via radiofônica, à discriminação racial. A pena foi de dois anos de reclusão, mas o radialista recebeu o benefício do sursis (suspensão da execução da pena) sob a condição de comparecer mensalmente a juízo para informar de suas atividades.
Oliveira Júnior diz que vai recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Procurado pela Folha por telefone, ele reafirmou sua inocência: "Não disse aquilo. Só não consegui provar que não disse. Minhas testemunhas desistiram de depor, e tive a infelicidade de não ter o programa gravado para provar minha inocência. Não sou racista".
Depois de ouvir o programa, algumas pessoas denunciaram o fato ao promotor público. No mesmo dia foi expedida ordem judicial para que a rádio entregasse em 48 horas a gravação do programa.
Ela não foi entregue. No dia 16 de abril nova ordem foi enviada, desta vez dando um prazo de 24 horas à rádio. Só então a direção da rádio se manifestou.
Segundo o comunicado da rádio, as fitas gravadas só eram mantidas pelo tempo necessário (24 horas), e esse prazo já havia expirado quando o ofício do juiz chegou às mãos dos responsáveis.
Foi então instaurado inquérito policial para apuração de crime de racismo. Quatro testemunhas confirmaram terem ouvido os comentários preconceituosos durante o programa. O acusado negou o fato.
O inquérito virou ação penal. O advogado do réu pediu a absolvição. Alegou que a prova testemunhal era frágil, e que o locutor negava a acusação com convicção.
A sentença de primeira instância conclui que Oliveira Júnior incitou os ouvintes da emissora "a odiosa discriminação racial".
Seu advogado recorreu ao TJ. O desembargador Limongi não acolheu seus argumentos. Para ele, o radialista não levou nenhuma testemunha para rebater a acusação, nem apresentou a gravação do programa em juízo.
"Para centenas e centenas de ouvintes foi passada, com reforço, a idéia de que fatos anti-sociais são praticados principalmente por indivíduos da raça negra e que estes deverão sempre ser castigados com maior rigor", diz o acórdão.
Mas o TJ relevou em parte a atitude do radialista, que tinha só 20 anos quando fez o infeliz comentário, e cancelou a obrigação de prestar serviços à comunidade.

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