São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Banespa e finanças públicas

WADICO BUCCHI

O assunto Banespa tem sido tratado de forma inadequada por alguns políticos e "técnicos, levando a opinião pública a raciocínios não condizentes com a verdade sobre as causas do problema.
A dívida do Estado com o Banespa é originária de sua ação como agente financeiro do Tesouro do Estado, como consequência da aplicação de políticas de desenvolvimento e de endividamento do setor público induzidas pelo governo federal e postas em prática pelos governos do Estado nas últimas décadas, como mostra o livro "Banespa 60 Anos, editado pelo governo Montoro.
Segundo estudo interno do próprio banco, essa ação do Banespa como agente financeiro do Estado mostrava uma dívida deste de R$ 9,4 bilhões em 31/12/94, com origens de 0,7% no governo Paulo Egydio; 15,3% no governo Maluf; 46,5% no governo Montoro e 37,5% no governo Quércia.
Em junho de 1992, o governo Fleury consolidou essa dívida para pagamento em até 12 anos -com base no voto nº 92 do Conselho Monetário-, com amortizações mensais, sucessivas e crescentes, ao custo de captação do Banespa acrescido do "spread" mensal de 0,5%. Além disso, o Banespa sofria também o impacto da gestão da dívida mobiliária do Estado (R$ 8 bilhões em dezembro/1994), financiada diariamente no mercado.
Apesar de essas dívidas serem expressivas, foi possível ao Banespa carregá-las sem o uso do redesconto até a implantação do plano econômico, em julho de 1994. A partir desse ponto, o Banespa passou a enfrentar uma forte crise de liquidez, culminando com a drenagem de recursos de R$ 5 bilhões no segundo semestre do ano passado. Há duas explicações para compreender essa crise.
Primeiro, a contração monetária do plano diminuiu os recursos disponíveis para o banco: (1) aumento de compulsório no BC (R$ 1,4 bilhão); (2) impacto da dívida mobiliária estadual (R$ 1 bilhão); (3) impacto da dívida mobiliária municipal (R$ 0,4 bilhão); (4) perda de captação CDB/RD/Poupança (R$ 0,8 bilhão); (5) outros impactos advindos da rolagem e custo de carregamento das dívidas do Estado (R$ 1,4 bilhão).
Segundo, a rigidez da carteira de empréstimos ao Estado, que por estar sendo amortizada em 12 anos não gerou caixa suficiente para atender às exigências da política monetária em vigor. Na verdade, a rolagem de 1992 da dívida consolidada foi concebida numa conjuntura de liquidez elevada, na qual o Banespa tinha o espaço necessário para captar e bancar o fluxo negociado com o Estado.
O plano econômico, com seu enxugamento, explicitou, a partir de julho de 1994, o descompasso da rigidez da carteira de empréstimos e de seu "funding", que era de mercado e de curto prazo. Daí o motivo técnico da decretação do regime de administração temporária no Banespa em dezembro/94: insuficiência de recursos na conta de reservas bancárias mantidas no BC, prevista no item "c", artigo 1º do decreto-lei 2321/87. Não se tratava (e não se trata) de patrimônio líquido negativo, mas de um desequilíbrio de caixa.
Essa situação foi gerada pela combinação, nas últimas décadas, de políticas induzidas de desenvolvimento e de endividamento do setor público. Maluf realizou obras de infra-estrutura. Montoro trocou a dívida externa por interna. Quércia pagou o funcionalismo e Fleury consolidou a dívida, rolando-a por 12 anos. Todos agiram de acordo com as normas vigentes à época de suas gestões, tendo o Banespa como agente autorizado pelo governo federal.
Esse modelo de financiamento do setor público está saturado. O problema de novos financiamentos está resolvido desde a edição da resolução CMN nº 1775, em dezembro de 1990, proibindo os Estados de se endividar junto aos seus bancos. Mas e o estoque da dívida que cresce vigorosamente pelo custo do seu carregamento?
Essa situação dificulta tentativas de operacionalizar políticas monetárias contracionistas, tendo em vista a inexistência de mercado de financiadores de longo prazo para as dívidas mobiliária e contratada, jogando a autoridade monetária contra o gestor das finanças do Estado e vice-versa.
Como resolver esse impasse? É preciso preservar o poder do BC de exercer uma política monetária consistente, mas é também preciso criar condições para o(s) Estado(s) amortizar(em) suas dívidas.
Equacionar o estoque das dívidas do(s) Estado(s) é tarefa inadiável para o fortalecimento do plano de estabilização econômica.

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