São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
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Espírito de Suzy Parker ilumina a moda

CHARLES GANDEE
DA "VOGUE" AMÉRICA

Segundo Karl Lagerfeld e Gianni Versace, entre outros, a musa não-oficial da alta-costura na primavera 95 é Suzy Parker, a modelo-ícone que cativou o mundo da moda e do estilo ao longo dos anos 50, personificando a mulher moderna do pós-guerra como um espírito livre e chique.
Hoje morando em Santa Barbara, EUA, onde atende pelo nome de senhora Bradford Dillman, Parker -aos 62, tão franca e vivaz e incrível quanto diz sua reputação- deixou de lado seu jardim, sua cozinha e suas aquarelas para conversar com Charles Gandee sobre sua carreira de 19 anos como modelo, sua amizade com Coco Chanel, e sobre o que acha de estar no centro da moda outra vez.
"Não conheço Karl Lagerfeld. Nem quero conhecer. Ele é um homem muito talentoso, é claro, mas não é meio mal-afamado? Acho que ele devia ter tido a gentileza de avisar que estava me usando como 'inspiração'.
Sabe, seria bem-feito para ele se eu tivesse aparecido no ateliê - vestida, como sempre estou, no inverno e no verão, com calças pretas e camisa de brim. Mas tudo que vai, volta. É como Coco dizia sempre: 'Moda não é o novo. Moda é elegância. E não tem de chocar, e não tem de ser diferente. É sempre a mesma coisa.'
Nós nos conhecemos em um jantar em Paris. Acho que ela ficou um pouco perplexa comigo. Lembro que eu estava usando um vestido com uma montanha de anáguas, o que chamávamos de crinolina, e então, ela decidiu que eu tinha de ser do Sul dos EUA.
A próxima vez em que a vi eu estava usando um tailleur de Givenchy, e antes que me desse conta, ela já tinha cortado fora as mangas dele. Ela sempre tinha tesouras penduradas no pescoço, debaixo de todas as jóias. Usava aquilo para que as pessoas não olhassem muito para ela. Ela dizia: 'Todo mundo fica tão ocupado imaginando se as jóias são falsas ou verdadeiras que não percebe que tenho bolsas sob os olhos.'
Ela pareceu fascinada pelo fato de eu ter lóbulos. Coco tinha uma coisa com lóbulos. Tinha a teoria de que só pessoas estúpidas não têm lóbulos. Claro, Buda tem lóbulos. Sabe, ela dizia coisas malucas assim. Não sei explicar por quê. Mas ficamos amigas.
Então ela me vestiu, o que era parte de um contrato que eu tinha na época com uma grande agência de publicidade. Ela escolhia tudo porque achava que eu era uma tragédia completa nisso. Talvez minha cor a intrigasse. Sabe, eu era ruiva. Não sou mais, claro. Meu cabelo hoje é bege.
Ela fez para mim um vestido de noite que era maravilhoso. Mas nunca fez parte de suas coleções. Muitas de minhas roupas nunca fizeram parte de suas coleções. Eram coisas que ela inventava. Ela fez até meus pijamas. Meu Deus, como eu era mimada.
Bem, mas esse vestido de noite era uma coisa meio 'E o Vento Levou' maluca, que eu tenho até hoje. Usei-o em Monte Carlo. Lá havia um grande baile todos os anos, e eu usei esse vestido sobre um biquíni. Lembro que os Guiness estavam no mesmo barco em que eu estava na manhã seguinte ao baile, tirei o vestido e lá estava eu de biquíni, e eles ficaram absolutamente perplexos.
Bem, mas quando Kitty D'Alessio ainda estava à frente da Chanel -você sabe, ela é aquela que contratou Lagerfeld-, comprou de volta um monte de roupas que Coco havia feito para mim, acho que uma dúzia delas, para que Lagerfeld pudesse ver como eram as verdadeiras roupas Chanel.
Talvez Lagerfeld tenha se baseado naquelas roupas, que eram lindamente bem-feitas. Quer dizer, havia correntes escondidas nas costas para manter reta a cauda do casaco, e, claro, os forros eram de seda acolchoada.
Mas, quando sua primeira coleção do pós-guerra foi lançada, em 1954, a imprensa francesa achou-a uma catástrofe. As únicas duas editoras que realmente gostaram dela desde o início foram Bettina Ballard, de 'Vogue', e Wilhela Cushman, do 'Ladies' Home Journal'. Carmel Snow, que era editora da 'Harper's Bazaar' e usava só Balenciaga, detestou o conceito todo. Assim como Diana Vreeland. Lembro que estava almoçando com Sally Kirkland, que era editora de moda da 'Life' na época, e ela disse: 'Meu Deus, parece que você está pedindo donativos para o Exército da Salvação.' Um ano depois ela foi a Chanel e fez exatamente o mesmo tailleur.
Foi o público americano que fez o retorno de Coco -não o francês nem a imprensa, com as exceções de Ballard e Cushman, que respeitavam o fato de que aquelas roupas eram roupas de trabalho. Houve uma modelo que caiu na rua usando um modelo Dior porque tentou subir num ônibus e, com o vestido, não conseguiu.
Quer dizer, certa vez eu estava com um tailleur de Givenchy e o fotógrafo disse: 'Faça alguma coisa com as mãos'. E eu respondi: 'Não posso, não consigo levantar os braços'. Chanel, então, libertou a mulher. Quero dizer, essa era a finalidade das roupas dela.
Os homens eram simplesmente fascinados por ela. Ela entrava em um salão cheio de gente, e de repente todas as mulheres estavam num canto e no outro estava Coco, com todos os homens ao seu redor. Bem, ela tinha senso de humor e podia falar sobre qualquer assunto. Acho interessante que Lagerfeld esteja agora destacando esse período específico, porque tantas vezes pensei comigo: 'Meu Deus, Coco deve estar se revirando na cova por causa de algumas coisas que ele fez'. E tantas coisas que ele faz são simplesmente bobas, não acha?
Alguns anos atrás aquela modelo, Inès de la Fressange, fez coisas muito chiques com roupas Chanel, que eu acho que Coco teria aprovado. Ela tem o estilo de Coco.
Eu, pessoalmente, nunca fui modelo de Chanel porque as modelos de passarela de Chanel eram quase sempre mulheres de sociedade que podiam pagar pelas roupas. Ela sempre usou gente daquele nível social. Era uma espécie de distinção. A outra razão pela qual ela nunca me usou é que sabia que eu era totalmente inepta na passarela. Quer dizer, sou incapaz de atravessar uma sala sem cair.
Certa vez fiz um acordo com Givenchy, para fechar um desfile em troca de um tailleur -na verdade, o mesmo tailleur do qual Coco cortou as mangas- e tive de aparecer num grande vestido de noite. Sob todos os aspectos, eu estava horrível. Parecia um cervo atropelado por um trem.
Lagerfeld é o oposto de tudo o que Coco representava. Claro, ele vai gargalhando a caminho do banco. Meu Deus, as mulheres não se vestiriam como se vestem hoje se não fosse por Coco. Na verdade, as mulheres se vestiriam melhor se ela estivesse viva.

Tradução: LÚCIA BOLDRINI

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