São Paulo, sábado, 16 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Voando alto

CLÓVIS ROSSI

BRUXELAS - Viajar faz visivelmente bem ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Ainda mais quando a viagem é bem-sucedida, como já havia ocorrido nos Estados Unidos e está se repetindo na Europa, em dois raros momentos em que a propaganda oficial coincide com a realidade.
Mas também pode subir à cabeça.
Foi um pouco o que aconteceu ontem, na palestra que FHC fez aos empresários belgas. O presidente devaneou à vontade. Pareceu, em certos momentos, ter reencarnado o professor da Sorbonne que assistiu ao vivo a efervescente movimentação estudantil de 1968.
Para quem não se lembra, foi aquela que pregava levar a imaginação ao poder. Pena que não deu certo, mas esse é outro assunto.
FHC convidou os empresários a mais do que apenas investir no Brasil. "Necessitamos mais do que isso, necessitamos mais criatividade, mais inovação" (para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo), disparou.
No finalzinho da fala, disse ao empresariado, que não é exatamente um público afeito a devanear: "Nós não temos imaginação suficiente para dar um padrão de vida decente" (aos marginalizados).
O "nós", no caso, não é ele ou o seu governo apenas. É o mundo de modo geral, até porque o presidente repisou muito, em Bruxelas, a sua pregação em favor de um amplo reordenamento do sistema de organizações internacionais.
Até aí, tudo bem. A embriaguez veio depois, quando o presidente disse que essa titânica tarefa "não é coisa para um país só, para um só povo ou uma só pessoa" (ele próprio).
Convenhamos que há aí um certo exagero. Suspeito que não deva haver muita gente no planeta imaginando que a reforma do mundo esteja na dependência do presidente do Brasil, seja ele qual for.
Imagino que o próprio FHC sabe muito bem disso. Apenas escorregou embalado pelo inegável sucesso de suas conversações do dia anterior.
Bem que ele podia contentar-se em apenas descobrir a tal de "imaginação suficiente" para dar só aos brasileiros um padrão de vida mais digno.

Texto Anterior: Polícia abusada
Próximo Texto: Malan ao relento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.