São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Obras da oratória

JANIO DE FREITAS

A diatribe européia do presidente Fernando Henrique contra os que, estando nos altos níveis do governo, mantêm atividades privadas lucrativas, torna-se incompreensível quando confrontada com algumas obviedades.
O próprio Fernando Henrique referiu-se repetidas vezes, para ressaltar a segurança ética das nomeações em seu governo, a investigações encomendadas a respeito de cada nome indicado. Um caso de investigação insuficiente, vá lá. Mas a sucessão de nomes envolvidos com atividades fora do governo, quando não contra o governo, indica que as investigações não foram levadas em conta ou não passaram de uma das tantas liberdades criativas da oratória presidencial.
Em menos de dois meses, houve o episódio de José Milton Dallari, o secretário de Acompanhamento de Preços que se fazia acompanhar de aumentos; o de Paulo Motoki, diretor do Departamento Nacional de Combustíveis acusado de ser dirigido por ex-dirigente da Shell; o de Carlos Alberto Marcial, subchefe do Gabinete Civil cujo escritório de advocacia continua advogando contra o governo; e agora o de Henrique Hargreaves. Isto para ficarmos nos que já ganharam tratamento de escândalo, além de outras coisas que tenham ganho.
Por intermédio de Clóvis Carvalho, chefe do Gabinete Civil, e, depois, também do ministro Pedro Malan, o governo protegeu Dallari até o último limite. Dallari só saiu empurrado pelos meios de comunicação. Já o seu caso não confirma a diatribe européia. O de Motoki, também não. Feita em jornais a denúncia que o atingia, o governo não tomou qualquer providência. A iniciativa foi do próprio denunciado, que, percebendo a persistência do assunto, exonerou-se "para não se transformar em outro Dallari". Hargreaves preferiu demitir-se logo, por telefone mesmo, a dar as explicações que o ministro Sérgio Motta se dispusera a ouvir.
Mas, se alguma dúvida restasse sobre a falta de iniciativa do governo ainda que posto diante de denúncias, o caso do subchefe do Gabinete Civil as eliminaria. Quando de sua nomeação, já era ele sócio do escritório "Marcial & Meneghetti", com causas contra a União e a Receita Federal, e de cujas possíveis vitórias ele recebe, ou receberá, sua parte de associado nos honorários (o próprio Marcial o admitiu). A nomeação, portanto, já era inadequada, tanto mais se houve as tais investigações. Feita a denúncia pública da impropriedade de sua permanência, porém, tudo o que aconteceu foi a permanência continuada -na própria Presidência da República.
Não é aqui que se considera inadequada já a nomeação de Marcial. Foi Fernando Henrique quem o disse, é verdade que em Bruxelas e para repórteres, não no Planalto: "Quem vai para o governo deve se desligar de escritórios, pedir demissão, cancelar contratos". A dedução imediata é a de que não pode permanecer no governo quem não tenha atendido àquele pressuposto. Como não é isto que acontece nos quadros da Presidência mesma, a diatribe européia do presidente junta-se às suas referências à tal investigação: obras apenas da oratória.

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