São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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O paradoxo da política econômica

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

Os recentes resultados da inflação, apontando para índices próximos de 1% ao mês, representam, sem dúvida, um importante resultado, tendo em vista a atual fase do Plano Real. No entanto, ao mesmo tempo em que se deve fazer prevalecer a queda da inflação como um importante ganho para a sociedade, é preciso que fique claro o custo desse processo.
A história econômica mundial mostra que não há precedente de experiência de estabilização sem custos e isso não seria diferente no caso brasileiro. Mas, neste ponto, devemos questionar primeiro a sustentabilidade do processo e, segundo, a relação custo-benefício implícita.
O Plano Real tem se sustentado basicamente na âncora cambial. A valorização da moeda local, combinada com a prática de um elevado juro real, é o que propiciou a queda e tem mantido a inflação baixa. Em princípio, não há nada de mal nisso, se for um recurso temporário até que se avance nas áreas fiscal e monetária -estas sim, as verdadeiras âncoras da estabilização duradoura.
Atraídos por uma taxa de juros espetacular, que representa cerca de dez vezes a média internacional, os capitais especulativos voltaram a entrar maciçamente no nosso mercado. Os dados apontam para um nível de reservas cambiais que hoje beira os US$ 50 bilhões. Mas, se isso representa um alívio de curto prazo no front externo, no âmbito interno é motivo de preocupação.
A contrapartida monetária dessa entrada de recursos, expandindo o endividamento interno e o ônus representado pela diferença da remuneração das reservas no mercado internacional, de apenas 5% a 6% ao ano, comparativamente ao custo de rolagem da dívida pública no nosso mercado, impõem um pesado ônus para o Tesouro.
Em função desse quadro, a dívida mobiliária federal interna em poder do público, que na entrada do Plano era de R$ 61 bilhões, atingiu R$ 89,5 bilhões em agosto.
Somente nos meses de julho e agosto, representou uma expansão acumulada de R$ 18,5 bilhões -um efeito nefasto para as contas públicas. Para efeito de comparação, toda a receita do Programa Nacional de Desestatização dos últimos cinco anos não chegou a R$ 9 bilhões, ou seja, na média, a expansão de cerca de um único mês na dívida pública.
Os dados do endividamento público dos Estados e municípios não são mais alentadores. Estes praticamente duplicaram a sua dívida, que era de R$ 19 bilhões em junho de 1994 e deve estar por volta de R$ 36 bilhões hoje.
Nesse sentido, a política atual se caracteriza por um enorme paradoxo, pois, ao mesmo tempo em que há resultados dignos de serem comemorados em termos de inflação, os dados mostram o enorme ônus a ser pago por uma estabilidade pouco sustentada.
O espetacular aumento dos gastos públicos evidencia o total descontrole das despesas do governo. O governo nunca arrecadou tanto -nossa carga tributária deve passar de 30% do PIB, um nível jamais atingido-, mas os gastos têm aumentado numa proporção ainda mais alarmante e, pior, sem a contrapartida da melhora dos serviços públicos. Adicionalmente, corremos o risco de arcar com uma "contribuição provisória para a saúde ou educação, nos moldes do extinto IPMF!
Os dados do primeiro semestre de 1995, comparativamente ao mesmo período do ano anterior, mostram que houve um aumento de cerca de 35% na receita líquida do governo, mas que, na mesma base, a despesa líquida aumentou cerca de 45%!
Do outro lado, o impacto da política econômica -em nome da "consciência macroeconômica- na economia real tem sido não menos catastrófico. O real valorizado e as elevadíssimas taxas de juros têm representado um ônus brutal no processo produtivo, com reflexos diretos na inadimplência, quebra de empresas, substituição da produção local por importações. Tudo isso causando forte impacto no nível de empregos.
Inflação baixa é uma conquista da sociedade brasileira, mas a estabilização insustentada e ainda paga com elevadíssimo custo econômico e social é algo que precisa ser mais criteriosamente avaliado.
Ao mesmo tempo em que é preciso estar atento para não sucumbir ao choro dos "sócios da inflação e, portanto, inimigos da estabilização, é preciso muito cuidado para não jogar a água suja da bacia do banho com a criança junto! Desconfie dos tecnocratas.

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