São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Livro narra aventura africana de Guevara

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na biografia do revolucionário Ernesto Che Guevara havia até agora um buraco de um ano.
Em 1965, depois de ter participado da revolução cubana e virado ministro da economia daquele país, o Che sumiu do mapa, dando origem a todo tipo de especulações: uns diziam que Fidel Castro o havia internado num hospício; outros, que lutava na Espanha pela independência basca; outros, que se vendera à CIA.
O livro "O Ano que Vivemos em Lugar Nenhum - A Missão Secreta de Che Guevara", que a Scritta acaba de lançar no Brasil, desvenda o mistério: o Che (apelido que ganhou por ser argentino) estava no coração da África, mais precisamente no Congo (hoje Zaire), tentando liderar a guerrilha revolucionária local.
"Tentando" é bem o termo. O livro, organizado pelo mexicano Paco Ignacio Taibo e pelos cubanos Froilán Escobar e Félix Guerra, mostra que a aventura africana de Guevara foi uma tentativa desastrosa de conferir sentido a um cipoal de conflitos tribais.
O manuscrito do Che contando passo a passo a campanha no Congo foi escondido a sete chaves pelo regime cubano durante 25 anos, até que Taibo, Escobar e Guerra tiveram acesso a ele.
"No início, o texto foi mantido em segredo por determinação do próprio Che, que não considerava conveniente divulgar a história de uma derrota quando ainda se lutava em outras frentes", disse Taibo à Folha, por telefone, da Cidade do México. "Depois, manteve-se o sigilo por uma espécie de inércia secretista do regime."
Os três autores tomaram emprestado nos arquivos cubanos o manuscrito do Che com o compromisso de não publicá-lo na íntegra. Tiveram então uma idéia interessante para estruturar o livro: mesclaram textos do manuscrito com depoimentos de outros 19 participantes da guerrilha no Congo.
Taibo acredita que o livro -lançado no final de 94 no México e já publicado também na Itália, Argentina, França, Venezuela, Dinamarca, Austrália e Portugal- serve para desmentir a tese de que o Che foi mandado à África porque Fidel queria vê-lo pelas costas.
"Até procuramos, mas não encontramos divergências sérias entre eles", diz o autor mexicano, que não esconde sua simpatia pelo regime de Fidel Castro.
Na verdade, nas cartas trocadas entre Fidel e o Che, que o livro transcreve pela primeira vez, nota-se uma indisfarçável tensão e até uma certa secura.
O certo é que Guevara nunca voltaria a ter papel importante nas decisões cubanas. Logo depois da aventura na África, seria enviado a outro fim de mundo, a Bolívia, onde morreria baleado em 8 de outubro de 1967, aos 39 anos.
A publicação de "O Ano que Vivemos em Lugar Nenhum" coincide com o sucesso, nos EUA e na Europa, do livro "Primeiras Viagens", em que Guevara rememora suas viagens juvenis de moto pelo continente, antes da revolução. O livro foi lançado aqui no ano passado pela Scritta.

Livro: O Ano que Vivemos em Lugar Nenhum
Autores: Paulo Ignacio Taibo, Froilán Escobar e Félix Guerra
Páginas: 290
Preço: R$ 24

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