São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FHC e Kohl propõem relançar Eco-92

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BONN

O presidente Fernando Henrique Cardoso e o primeiro-ministro da Alemanha, Helmut Kohl, acertaram ontem que seus dois países lançarão uma "iniciativa conjunta em favor do meio ambiente, já nos próximos meses".
A informação consta do comunicado de imprensa divulgado após o encontro pelo porta-voz do governo alemão, Peter Hausmann.
Aos jornalistas brasileiros, FHC havia sido algo mais reticente. "A idéia é fazermos uma iniciativa conjunta a nível mundial. Não definimos bem em que área", limitou-se a dizer.
Mas o chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia explicou que a proposta é "relançar a Eco-92", a conferência de cúpula sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro há três anos.
Motivo: "O tema ambiental perdeu prioridade na agenda internacional", explicou Lampreia.
A proposta de ação conjunta foi de Kohl, durante a conversa de duas horas (metade no almoço) que mantiveram a partir de 12h (7h em Brasília).
Foi na Bundes Kanzleramt, a Chancelaria federal (na Alemanha, o premiê é chamado de chanceler).
Conta FHC: "Ele disse que precisávamos ter um trabalho em conjunto, para mostrar ao mundo o quanto estamos hoje sensibilizados da mesma maneira pelos problemas universais e quanto podemos fazer de maneira construtiva para o conjunto da humanidade".
Agora, cada parte nomeia dois assessores diretos dos chefes de governo para detalhar a proposta.
A ação conjunta é a parte mais robusta de um entendimento que deixou FHC tão entusiasmado que chegou a dizer: "Nossa química deu certo".
O presidente definiu a conversa como "das melhores" que teve desde que assumiu. "Melhor, impossível", resumiu.
Manifestou também a disposição da Alemanha para "uma parceria abrangente" com o Brasil, "particularmente no campo econômico e cultural".
FHC não economizou elogios a Kohl. "A conversa foi com um grande estadista", afirmou.
Os dois acertaram também manter uma relação pessoal direta e contatos telefônicos regulares, disseram tanto o chanceler brasileiro Lampreia como o porta-voz de Kohl, Peter Hausmann.
Antes do encontro, do qual participaram os principais integrantes da comitiva brasileira e ministros do lado alemão, os dois chefes de governo posaram para as fotos habituais, no salão Heckel da Chancelaria.
O salão é assim chamado por ter nas paredes quadros de Erich Heckel, pintor alemão do início do século.
Antes do encontro com Kohl, o presidente Fernando Henrique havia se reunido com o presidente (chefe de Estado) Roman Herzog, na residência oficial, a Vila Hammerschmidt.
Os pontos principais tratados no encontro Kohl-FHC são os que se seguem:

EQUILÍBRIO REGIONAL
Fernando Henrique lembra que "a Alemanha exerceu um papel muito equilibrador na Europa".
Diz ter ficado muito bem-impressionado com o que disse o chanceler Kohl a respeito da necessidade de reorganização da casa européia e da importância da relação da Alemanha com a França e a Inglaterra.
Elogiou ainda a disposição manifestada por Kohl de evitar que a "casa européia seja uma fortaleza".
Traduzindo: o temor ainda existente em vários países é o de que a unificação européia, quando completada, se transformará em barreira para as importações de outros mercados.
FHC acha que há uma certa semelhança entre o papel equilibrador da Alemanha na Europa e o que está ocorrendo na América do Sul.
"O Brasil também refez relações com a Argentina de uma maneira muito direta, e há uma unidade de pontos de vista, o que equilibra todo o sistema sul-americano", diz o presidente.
Completa: "Também não queremos o Mercosul fechado".
FHC entusiasmou-se ainda por Kohl ter deixado claro que, "do ponto de vista de escala de prioridades da Alemanha, a América do Sul e o Mercosul teriam uma certa urgência maior".

CONSELHO DE SEGURANÇA
FHC disse a Kohl que era preciso transformar a ONU (Organização das Nações Unidas) em "um organismo mais eficaz".
Kohl retrucou dizendo que a ONU "deveria refletir melhor a realidade de nosso tempo, em que não há mais, como ao final da guerra, vencedores e vencidos".
O premiê alemão considerou o Conselho de Segurança da ONU o "mecanismo internacional mais importante do ponto de vista decisório, já que as armas não têm mais o peso que tinham".
Defendeu também maior representatividade, tanto dos membros permanentes como não-permanentes do conselho, lembrando que continentes inteiros não estão representados, como Ásia (excluída a China) e a África, citando também a América Latina.
É música para os ouvidos brasileiros, pois o Brasil reivindica discretamente um posto de membro permanente. Hoje, são apenas cinco (EUA, Russia, França, China e Inglaterra), todos com direito a veto.
A Alemanha também quer um lugar. Mas os dois mandatários concordaram em que "não é um objetivo que precise ser trabalhado", relatou FHC.
Em outras palavras, virá naturalmente.

MERCADO FINANCEIRO
Desde a crise mexicana de dezembro, Fernando Hernqiue tem insistido na necessidade de medidas que ajudem a reduzir a volatilidade dos capitais financeiros.
O tema ressurgiu ontem, e Kohl, segundo FHC, disse de maneira direta que tem o diagnóstico, mas a solução, ainda não. O presidente concorda.
Kohl aproveitou para chamar a atenção dos brasileiros para a importância de Frankfurt como praça financeira internacional, equiparável a Nova York e Londres.
Sempre segundo FHC, "outra questão em que houve coincidência é no fato de que o aparelho estatal está hoje pouco apto a fazer face ao desenvolvimento do setor privado".
O presidente acha "uma ilusão pensar que se pode ter um desenvolvimento com prosperidade e paz sem instrumentos governamentais capazes de equilibrar os interesses da população".

MÍSSEIS
FHC conta ter mencionado a disposição do governo brasileiro de entrar para o MTCR (iniciais em inglês de Regime de Controle da Tecnologia de Mísseis).
Trata-se de um acordo pelo qual os países-membros se comprometem a só exportar para outro membro do tratado material chamado dual (de uso civil e militar).
Ao aderir ao MTCR, o Brasil continua a desenvolver seus veículos lançadores de satélites, mas renuncia unilateralmente a veículos militares (que reentram na atmosfera e atingem alvos determinados).
FHC diz que Kohl concorda inteiramente com a adesão brasileira. O chanceler Lampreia espera que ela possa se dar em outubro, na reunião que os membros do MTCR farão em Bonn.
A propósito, FHC comentou que Kohl "tem uma sensibilidade muito aguda para a paz.
Mostrou como é importante que, pela primeira vez, essa geração que está aí possa ter uma perspectiva de paz".

INVESTIMENTOS
Não foi parte das conversas, até por não ser o âmbito adequado.
Mas amanhã os ministros de Relações Exteriores dos dois países, Luiz Felipe Lampreia e Klaus Kinkel, assinam acordo sobre a garantia de investimentos.
Por ele, o Brasil assegura, por exemplo, que não estatizará empresas de capital alemã, a não ser pagando uma compensação adequada, e dá outras garantias.
Quanto aos empresários alemães com os quais já conversou, FHC diz que "foi muito forte o interesse demonstrado, não só pelos que vão fazer investimentos, mas também pelos que já estão lá e sabem que, agora que conseguimos estabilizar a economia, a hora é de crescer, e estão prontos para isso".

Texto Anterior: Maciel se despede de tropa da força de paz
Próximo Texto: Em Bonn, FHC saúda Berlim
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.