São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 1995
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A conjuntura e as dívidas estaduais

EDUARDO MAIA DE CASTRO FERRAZ

Está novamente na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado matéria que, em princípio, foi equacionada no âmbito da lei federal nº 8.727, de 1993: a renegociação das dívidas estaduais com o governo federal.
Grosso modo, o acordo de 93 estabelece um prazo de 20 anos para o pagamento dessas dívidas, sendo que, no primeiro ano de sua vigência (94), os Estados desembolsaram o equivalente a 9% da arrecadação do ICMS para esse propósito e, a partir do segundo ano (95), esse comprometimento subiu para 11% e aí permanece. Agora, as bases para uma nova proposta apontam para um prazo de 30 anos e limite anual de comprometimento de ICMS de 7%.
As dificuldades para o equacionamento dessas dívidas nos termos propostos já eram previsíveis por ocasião das discussões preparatórias para o acordo de 1993. À época, São Paulo defendeu, sem sucesso, o limite de 7% e um prazo mais dilatado. O governo federal, disposto a recompor seu caixa em cima dos Estados, chegou a propor 11% já no primeiro ano e 15% a partir do segundo ano.
A insistência de São Paulo num limite menor de comprometimento do ICMS se devia a dois motivos. O primeiro, porque já vivíamos um quadro bastante complicado no plano das finanças estaduais, com o esgotamento das fontes tradicionais de financiamento do setor público e as dificuldades impostas pelo Plano Collor, de forte cunho recessivo.
O segundo e, a meu ver, principal motivo, foi que aos Estados não se dava garantia alguma de que a política econômica do governo federal não fosse enveredar, nos anos seguintes, para um processo recessivo. É nesse ponto que reside a dificuldade de estabelecer acordos de pagamentos de dívidas vinculados a um percentual elevado do ICMS. Senão, vejamos.
O ICMS é um imposto estadual que, no caso de Estados com forte base industrial e de serviços (São Paulo, Rio e Minas, por exemplo), responde pela quase totalidade dos tributos arrecadados. Além disso, é um imposto atrelado à atividade econômica, ou seja, qualquer oscilação nesta exerce impacto frontal na arrecadação daquele tributo.
Dado que cabe ao governo federal a condução da política econômica, se esta aponta para crescimento da atividade econômica, o ICMS também cresce e a destinação de um percentual para o pagamento dessas dívidas federais, embora oneroso, ainda é factível para o Estado. Porém, quando a política econômica se mostra recessiva, o ICMS se reduz e o pagamento desse percentual, embora menor em termos absolutos, concorre com a necessidade do Estado de alocar mais recursos na área social.
Em outras palavras, o agravamento do desemprego e das mazelas sociais provocado pela recessão conduz a um aumento na demanda por gastos sociais num momento de queda acentuada do ICMS. Os Estados ficam no pior dos mundos: com a receita em declínio e sob pressão para aumentar o número de leitos hospitalares, vagas nas escolas públicas, ampliação dos programas sociais etc.
Mesmo que venha a prevalecer o percentual de 7%, o correto será estabelecer algum tipo de condição para o cumprimento desse limite. A saber: manutenção desse limite se a conjuntura for de crescimento econômico, revisão para baixo se a conjuntura for de desaceleração da atividade econômica e, em se intensificando a desaceleração, suspensão dos pagamentos até a reversão dessa tendência. Dessa forma, os governos estaduais estariam repartindo com o governo federal o ônus da recessão.
O momento atual é propício para essa discussão. As taxas de juros estratosféricas provocaram forte desaceleração da atividade econômica, aumentando o nível de desemprego, quebrando empresas e reduzindo a arrecadação do ICMS em vários Estados.
As alternativas propostas pelo governo federal, como redução de gastos e venda de ativos, não resolvem o problema. No primeiro caso, praticamente todos os governadores já cortaram o que era possível cortar e, no segundo, o processo é demorado e depende do número e da qualidade dos ativos disponíveis.

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