São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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Presidente recebe título da Universidade de Berlim

Na homenagem, professor alemão deixa FHC embaraçado

OTÁVIO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

O presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu ontem, em Berlim, o título de doutor "honoris causa" da Universidade Livre de Berlim, uma das instituições acadêmicas mais respeitadas da Europa.
No penúltimo dia de sua visita a Alemanha, iniciada na última segunda-feira, o presidente cumpriu um roteiro cuidadosamente organizado para mostrar seu lado sociólogo.
Proveniente de Bonn, atual capital da Alemanha, o avião presidencial aterrissou às 9h30 (4h30 em Brasília), na área militar do aeroporto de Tegel, ao norte da cidade.
O presidente, a primeira-dama Ruth Cardoso e toda a comitiva seguiram em comboio para o campus da universidade, protegidos por cerca de 20 batedores da polícia.
"Esta é uma situação não-habitual", disse FHC, no início de seu discurso para o auditório lotado. "É a primeira vez que chego a uma universidade cercado de policiais. E para me proteger", disse, arrancando palmas da platéia.
FHC dispensou um discurso pré-elaborado e falou por cerca de 30 minutos sobre a inter-relação entre ciência e política. Foi saudado pelo vice-presidente da universidade, professor Werner Vãth, e pelo diretor do Instituto Latino-Americano, professor Manfred Nitsch, entre outros.
Embora sem intenção, o professor Nitsch embaraçou o presidente Fernando Henrique Cardoso ao citar, em seu discurso de saudação, a famosa frase "Esqueçam o que eu escrevi", atribuída a FHC.
Segundo Nitsch, o presidente havia mostrado, com a afirmação, compreender o papel do cientista político.
"Max Weber, em 'A Ciência como Vocação', afirma que o cientista não aspira a sabedoria eterna, mas sim produzir uma obra como passo em um caminho mais longo", disse o sociólogo alemão. Minutos depois, FHC voltou a negar a autoria da frase, mas concordou com Nitsch: "Se a tivesse dito, teria sido na tentativa de mostrar que a história existe", afirmou.
"Aqueles que não percebem a história e se aferram a estruturas que não têm mais vigência, meu Deus, terão talvez o reino dos céus, mas não o respeito da Academia", continuou FHC, que, sem se dar conta, tocou em seu outro "calcanhar de Aquiles" -seu suposto ateísmo.
Durante sua fala, FHC se referiu ao Congresso brasileiro como um Parlamento onde há uma somatória de interesses fragmentados, em que "valores pouco unem". "Isso reduz a capacidade de ação e de se juntar as forças para a mudança", disse.
Segundo FHC, a ciência política mostra a imensa fragmentação da sociedade contemporânea, dividida por interesses específicos e variados. "Esta fragmentação sozinha não move, paralisa, até destrói, porque não permite ver o futuro", afirmou.
"O líder político precisa ter distância para reconhecer os interesses e entender a fragmentação, mas, ao mesmo tempo, deve ter capacidade de escolher as prioridades de tal maneira que se recupere o movimento geral."
Em suas reflexões, o presidente também criticou os meios de comunicação: "A mídia cada vez mais vai se pegar no fragmento. Quanto mais 'on time', mais fragmentado será".
Para FHC, a necessidade de unificar os diversos interesses foi o que o levou a disputar o cargo de presidente. "Como ninguém escolhe o momento em que vive, nem seu curso pessoal, em certas situações o sociólogo não tem outra alternativa: tem de ser presidente", encerrou FHC.
Depois da cerimônia de entrega do título, ele continuou seu "tour acadêmico", participando da abertura de um seminário de "brasilianistas", organizado pelo Instituto Ibero-Americano da Fundação Cultural da Prússia.
No instituto, o presidente repetiu sua frase "o Brasil é um país injusto". 'Às 13h, o presidente almoçou com o "prefeito-governador" de Berlim, Eberhard Diepgen. À tarde, FHC inaugurou o Centro de Estudos Brasileiros de Berlim, a primeira casa de cultura e biblioteca criada com recursos do governo brasileiro na Europa.
Às 16h15, a comitiva presidencial embarcou de volta a Bonn. O retorno de FHC ao Brasil está previsto para 17h30 de hoje (12h30 em Brasília).

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