São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
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Talento explosivo é minado pela repetição

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DO ENVIADO ESPECIAL

"Des-Medéia" retoma e intensifica a linha perseguida por Denise Stoklos desde peças como "Mary Stuart" (em cartaz intermitente desde 1987).
Isso significa a opção por narrar, mais que encenar, os textos que a artista escolhe. Como em "Mary Stuart", na nova peça Denise divide-se entre narradora didática e personagens várias.
Significa um certo descompasso de dramaturgia, de direção, de interpretação, mesmo de encenação. São muitas funções para uma só artista, para uma só cabeça.
O talento explosivo da atriz e da mímica é minado, em certa medida, pelo ponto de vista que se repete, por único e solitário que é.
Dividida em duas partes nítidas (separadas em cenário e figurino pelo negro e o branco), a montagem se inicia com uma Medéia-Denise de bata preta, autêntica bruxa de conto de fadas.
É quando a atriz (e a mímica, aqui menos ostensiva) deita e rola, destilando comicidade na melhor tradição que liga Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Zezé Macedo e Ronald Golias (do qual Denise parodia caras e bocas).
Mesmo as inúmeras referências engajadas caem como luva no pastelão da expressão e do gestual da atriz. No mais, não é todo dia que alguém chama FHC de pelego na cara-dura.
Quando, no entanto, Medéia começa a desmoronar, desistindo -que audácia tem esta mulher!- de matar os filhos e consumar o mito, o branco toma conta do palco e é aí que a barra pesa.
O ridículo involuntário pulsa no ritmo de uma variedade de ingenuidade política que não se vê por aí desde 1968.
A solução contra a opressão da corja PSDB/PFL é, para Denise, a rebeldia hippie de "Happiness Is a Warm Gun", dos Beatles, ou a grandiloquência irritante de Elis Regina em "Tatuagem". E, cúmulo, até o kitschíssimo Dire Straits acaba entrando em algum lugar dessa história. Não há mito que resista mesmo.
O clímax da virada de Medéia é dado pela alusão ao "psicanalista da linguagem" Jacques Lacan, muito apreciado por certa classe de feministas: que país é este em que a mesma palavra -cédula- designa dinheiro e voto?
Camille Paglia teria uma síncope, e o Dionísio euripediano deve estar dando voltas no túmulo profanado. Qual diretor se disporia a domar a explosiva Denise Stoklos?
(PAS)

O repórter PEDRO ALEXANDRE SANCHES viajou a convite do Bamerindus

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