São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995 |
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Filme faz sátira à monarquia britânica
DANIEL PIZA
Direção: Nicholas Hytner Elenco: Nigel Hawthorne, Helen Mirren, Ian Holm Estréia: hoje nos cines Belas Artes, Paulista, Morumbi, Iguatemi e outros Os ingleses sabem: humor é coisa séria. "As Loucuras do Rei George", o filme escrito pelo dramaturgo britânico Alan Bennett que foi sucesso em 1994 e estréia hoje no Brasil, é um exemplo primoroso dessa afirmativa. Se é necessária uma classificação, trata-se de uma comédia; o problema é que a palavra sugere risos frouxos. "As Loucuras do Rei George" não só tem inteligência e sutileza em seu humor, mas também empatia e drama. Sem fazer colagem. Bennett é um mestre dos esquetes, mas o filme está longe de ser esquemático, de uma sequência de números burlescos. Embora a costura seja exímia, você não encontra pespontos. Ao contrário do que dita a convenção, aqui o drama não é preparado por um crescendo de tensão emocional -mas pela própria comédia. Formalmente, portanto, estamos diante de uma inovação. Se nossa cultura não estivesse tão presa à idéia de que inventividade estética é fazer salamaleques de linguagem, Bennett receberia hoje todos os devidos aplausos. Olhe a gama de temas que ele enfeixou em sua peça, convertida por ele mesmo em roteiro: política inglesa (a questão da monarquia, ora em debate), família, loucura, fidelidade conjugal, hipocrisia social e eloquência. Entre outros. A data é 1788. O rei inglês é George 3º (Nigel Hawthorne), um homem que é singelo o bastante para se entusiasmar com um grupo de tocadores de sino executando canções natalinas. O que o médico faz é justamente criar uma relação de poder sobre o monarca, que tinha poder sobre todo mundo. Olha-o nos olhos, por exemplo -o que, segundo a praxe real, ninguém pode fazer. Assim, consegue amansá-lo. As cenas de submissão do rei ao doutor, num confronto de dois atores titânicos, são conduzidas por um humor que oscila registros com grande agilidade: vai das falas de alta ironia dos parlamentares a peripécias quase de pastelão. Não é "teatro filmado"; é grande cinema, como atesta a cena em que o rei sobe a escadaria em espiral até o telhado do palácio, onde tenta viver uma cena romântica com a mulher (Helen Mirren). Quebrando a respeitabilidade do rei -que vemos fazendo cocô e xixi, sendo amarrado e amordaçado à força, correndo de camisola pelo campo-, a narração cria uma ambivalência esperta: o que é loucura, o comportamento do rei ou a existência da monarquia? Quando em crise, o rei perde todos os cacoetes que adotava no trato diário com os súditos; quando sai dela, volta a adotá-los... Bennett fez a crítica mais sutil à idéia de um rei, vestido com pompa e ocupado com títulos, comandando o destino alheio ao sabor de suas mimalhices. E reservou seu lugar na nobre linhagem dos satiristas ingleses, de Swift a Waugh. P.S.: não é recomendável "As Loucuras do Rei George" a quem gostou de "Carlota Joaquina", de Carla Camurati. Afinal, em breve ambos vão ficar na mesma prateleira das videolocadoras: a das comédias históricas. Mas só o primeiro ficará na história. Texto Anterior: Crenças e mitologias têm pontos em comum Próximo Texto: Clint Eastwood consegue milagre com livro fraco Índice |
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