São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 1995
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O português Evaristo da Veiga apaixonou-se pelo prato de feijão

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enquanto o tráfico de africanos se extinguia, a cultura do café ia se estendendo em direção a Campinas. O velho senador Vergueiro, desde 1840, vinha recebendo em sua fazenda de Ibicaba, Cordeirópolis, dezenas de imigrantes atraídos pela iniciativa particular para a lavoura. Em 1840, vieram portugueses do Minho e em 1853, uma leva de suíços e alemães.
O que nos interessa no momento, em vôo de ave, é ver o Brasil através de olhos de homens de culturas tão diferentes, atrás do sonho de uma vida melhor.
Davatz chegou com os suíços. Era mestre-escola em sua terra natal, terra de costumes regrados, de hora certa, hora de cuco. Tão impressionado ficou que mais tarde liderou uma revolta de colonos e escreveu um livro sobre o tratamento recebido na fazenda brasileira, no regime de parceria.
Ele, o metódico, o professor de casaco de alpaca preta, chapéu e polainas, caiu direto no barro. Era mês de chuva, calor, muita enchente, mosquitos, formigas sem fim, estradas do diabo.
O que se plantava na terra? Milho, arroz, abóbora, cará, feijão, batata-doce e mangarito. Nas hortas, couve. O milho mal debulhado pelos negros vinha misturado com cabelos e pedaços de sabugo.
A pedra de moer era demasiado primitiva e o produto final, o fubá parecia saibro grosso, intragável. O pão feito com ele não podia ser mais ordinário, grosseiro e duro.
A laranja, a banana e o abacaxi, muito bons, mas não davam bebidas que prestasse. E imaginem que em Ibicaba não cresciam peras nem maçãs! O branquíssimo Davatz olhava a terra de Canaã com desgosto. O mel corria das árvores, mas as formigas chegavam primeiro. Quem quisesse adoçar a boca tinha que se contentar com a cana e a rapadura.
O português Evaristo da Veiga chegou ao Rio e, na hospedaria dos imigrantes, apaixonou-se pelo prato de feijão. Logo depois, em Ibicaba, Cordeirópolis, onde também estivera o suíço Davatz, encantou-se com a pipoca, com a paçoca de carne seca e o amendoim na hora da merenda.
"Nem pode imaginar o leitor como se gravou no meu espírito e no meu estômago toda esta abundância". De noitinha, era só pegar a vara de pescar e ir ao tanque de Ibicaba pescar traíras de dois quilos. O inhambu piava perto e podia ser caçado a toda hora.
E a delicadeza da raça negra! Havia um preto alto e simpático, chamado Cipério que lhe trazia todos os dias um jacá de jabuticabas apanhadas na mata virgem de Ibicaba. Doces, estalando de doces.
A mãe do portuguesinho logo se apercebeu da veia fina de comerciante do filho. Vinham de Famalicão, terra que fazia o melhor pão-de-ló de Portugal. Pôs o menino para trabalhar. Feliz da vida, ele ia cedo para a encruzilhada entre as fazendas e as cidade. Comprava dos colonos os ovos que traziam, e levava-os à mãe para o pão-de-ló que tornou-se famoso em toda a linha paulista.
Davatz obteve permissão para voltar de vez para sua Suíça e Evaristo fez-se próspero e feliz na terra adotiva.

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