São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
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Classificação etária não fará censura, diz coordenadora

RUI NOGUEIRA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil vai ganhar este ano uma nova classificação indicativa para os cinemas, espetáculos e os programas de rádio e TV. As quatro classificações atuais -livre, 12 anos, 14 anos e 18 anos- serão substituídas por livre, OP (livre, mas com orientação dos pais), OP-14 (menores de 14 anos não ficam proibidos de ver o espetáculo, mas os pais devem acompanhá-los), R-16 (restrito a maiores de 16 anos; menores só com os pais) e A-18 (só para adultos).
"Nós estamos trabalhando para fazer com que os programadores e os produtores forneçam as informações ao público. No caso dos menores, queremos aumentar a responsabilidade dos pais", disse à Folha, Margrit Dutra Schmidt, 36, diretora do departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha:
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Folha - Há alguma chance do departamento de Classificação Indicativa praticar a censura?
Margrit Dutra - Nenhum chance. A Constituição de 88 é clara sobre isso e o Brasil tem hoje uma das legislações mais liberais do mundo. Ao contrário da França e da Inglaterra, onde a legislação permite que os conselhos classificadores possam até cortar algum pedaço de filme, aqui nada disso é permitido. O departamento vem funcionando de forma precária, fazendo esse trabalho de classificação por meio de sinopses, o que é muito arriscado. A sinopse é uma historinha resumida que não dá condições de saber o que realmente é o filme. A idéia é nos equiparmos para conseguir fazer a classificação indicativa de forma mais profissional. E tudo o queremos é manter os pais e os consumidores informados sobre os produtos, que se diga exatamente o que há para ver, ler ou ouvir.
Folha - Há muitas surpresas? Casos em que vocês lêem uma coisa e o que vai ao ar, ou o que está nas fitas de vídeo, é algo totalmente diferente?
Margrit - Um exemplo que me surpreendeu foi o filme "O Corvo", que a distribuidora pediu classificação para vídeo. Pela sinopse é um filme de lutas marciais que merecia 14 anos por causa da violência. Quando a classificadora viu o filme no vídeo, por acaso, com os filhos em um final de semana, ela descobriu que o filme mostra bandejas de cocaína.
Folha - Na classificação indicativa onde começa a objetividade e acaba a subjetividade?
Margrit - Como a censura foi algo muito traumático, nestes anos todos não se conseguiu discutir claramente os critérios. Então, o que o Ministério da Justiça fez nos últimos anos foi sintetizar três itens que servem de orientação para fazer a classificação indicativa: sexo, violência e desvirtuamento de valores éticos. O filme pornográfico é classificado logo como 18 anos. Filmes que insinuam sexo, até 14 anos ou até 12 anos, dependendo das cenas.
Folha - Essa síntese de sexo, violência e valores éticos está em alguma lei?
Margrit - Existe uma portaria de 91, do então ministro Jarbas Passarinho. Foi a portaria 773 que criou esses três itens de classificação. Mas o ministro Nelson Jobim acha que isto é algo que deve ser aberto à sociedade; ela precisa se envolver nesta discussão.
Folha - O que foi feito para abrir a discussão à sociedade?
Margrit - Nós fizemos neste ano três seminários -um com diretores de TV e de vários tipos de espetáculos, jornalistas, sociólogos e juízes; outro com operadores e programadores de TVs pagas; e um outro com a indústria de cinema e vídeo. Com as TVs pagas estamos trabalhando para que se autoregulamentem.
Folha - E os critérios para classificar?
Margrit - Além dos seminários, vamos fazer uma superpesquisa para avaliar o grau de tolerância da sociedade a basicamente dois aspectos, violência e sexo. Precisamos aferir porque as sociedades têm graus de tolerância diferentes.
Folha - Como você encara a ação do Congresso que vive querendo legislar sobre a programação das televisões, algumas vezes propondo a ressurreição da censura, e o lobby das próprias emissoras que tendem a chamar qualquer controle de censura?
Margrit - O Congresso não é homogêneo e não será nunca. Este assunto tem a ver com valores e direitos individuais e comerciais. Esta discussão está parada no Congresso porque é difícil e porque o Congresso reflete a diversidade de opiniões da sociedade. É óbvio, ululante, dizer que a sociedade não é homogênea, mas foi ao chegar a este departamento que eu senti como é que opera essa diversidade. As cartas e os requerimentos e moções que nos chegam são quase sempre das câmaras municipais do interior de São Paulo, Minas e Rio. O que aparece na imprensa e no mercado são as metrópoles, mas o que eu penso como cidadã urbana não é necessariamente o que pensa o interior, que não é pequeno, muito pelo contrário, para ser desprezado. A TV homogeneiza a imagem e a linguagem, mas não chapa tudo. A sociedade não é simplesmente o que diz o jornal e o que mostra a televisão.
Folha - Como é o relacionamento com a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), representante dos interesses da indústria da mídia eletrônica?
Margrit - É evidente a boa vontade e a capacidade de diálogo que estou encontrado nas televisões. Todas as emissoras já alertam para a classificação dos seus programas.
Folha - Você diria que a classificação indicativa está começando a pegar?
Margrit - Mais importante, está sendo desvinculada da idéia de que isso é censura.
Folha - Por que as pessoas não usam mais o botão "liga" e "desliga" da TV? Por que elas preferem pedir ao Estado que cuide também do que os seus filhos podem ou não ver?
Margrit - É uma atribuição constitucional que o Estado tem de fazer. É preciso levar em conta que as pessoas precisam de informação para exercer esse direito. Porque nem todos têm uma formação complexa para fazer os julgamentos de que você fala. A questão é que não deve ser necessariamente o Estado a fazer isso, a dar essa informação.

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