São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
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AIDS, Aids, aids ou sida?

JOSUÉ MACHADO

Por que se escreve "Aids" com inicial maiúscula, pergunta o leitor João Carlos Martins Maurício, de Santos (SP).
Talvez por analogia com siglas e acrografias de nomes próprios como INPS, PSDB, Arena. Arena é acrografia de Aliança Renovadora Nacional, o então maior partido do Ocidente, que se desdobrou em alguns dos atuais em ação. Sempre em ação, deixa pra lá. (De acordo com o padrão formal da língua, devemos dizer "deixe pra lá", se usamos o verbo na terceira pessoa, como diria um mestre.) Deixa pra lá.
Voltando ao que interessa, acrografia, em linguística, é a forma de redução em que se procura criar uma espécie de abreviatura silabável composta pela reunião de elementos dos termos da expressão composta.
O dicionário Aulete a define assim: "Redução consistente, via de regra, na conjunção de segmento fônico inicial de duas ou mais palavras". "Via de regra", seu Aulete? Coisa feia.
Trocando em miúdos, juntam-se em geral as primeiras sílabas do nome ou expressão composta e obtém-se a acrografia dele. Mais miúdos: acrografia é a forma condensada e silabável de uma expressão composta de dois termos ou mais. Sudene, por exemplo, é a acrografia da valorosa Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Assim como Senai, de Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, e Benelux, de Bélgica, Netherlands (Países Baixos, no bom sentido) e Luxemburgo.
E sigla? Também é obviamente a forma condensada de uma expressão, só que formada pela reunião das iniciais dela. PSDB, PFL, PMDB, PTB, PPB, PT, por exemplo, são siglas de entidades que lutam pela nossa felicidade. Às vezes a sigla também é acrografia, porque silabável: Incra, de Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
De volta à "Aids", o Aurélio registra AIDS, sigla de "Acquired Immunological Deficiency Syndrome", e o "Novo Manual da Redação", da Folha, "Aids".
Na verdade, não parece haver razão para grafar com maiúscula o nome da doença ou sua sigla, a não ser pelo fato de que siglas se grafam normalmente com maiúsculas, e acrografias, com inicial maiúscula. Ocorre que siglas e acrografias em geral correspondem a nomes próprios de entidades, portanto grafados com iniciais maiúsculas.
Os sábios portugueses, embora nem sempre reconhecidos como tal, grafam sabiamente a acrografia "sida", do nome traduzido da doença: síndrome de imunodeficiência adquirida. A mesma coisa fazem os povos de língua espanhola e francesa: entre eles também se fala e escreve "sida". Tanto uns como outros se revelam mais resistentes à influência do americanicismo incorporado sem-cerimônia pelos brasileiros. E o Aurélio reincide nas maiúsculas quando registra a versão nacional da doença: "SIDA".
Baseado nessas considerações, a que conclusão chegar? A nenhuma, embora não haja razão para grafar nomes de doenças com maiúsculas. Escreve-se sarna, pefelite, sífilis, pemedebite, artrose, nepotismo, conjuntivite, filhotismo, diabetes, pepebite, sida. Ou, se não há remédio para a subserviência linguística, aids.
Poste escrito: se "aids" ficar, e parece que já ficou, pode enquadar-se no caso de "laser" (leiser), sigla de "light amplification by stimulated emition of radiation" (amplificação da luz pela emissão estimulada de radiação), convenientemente escrita com inicial minúscula na matriz e nas filiais. Por que "Aids"?

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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