São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
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O critério da árvore

SÉRGIO MASCARENHAS

A avaliação de pesquisadores foi discutida pela Folha em sua seção de debates. Infelizmente, aspectos importantes não foram ressaltados, o que tornou a discussão equivocada e, até mesmo, negativa para os interesses da ciência e da sociedade.
O debate da Folha iniciou-se pela indagação sobre os cientistas que obtiveram até 200 citações no International Citation Index, num dado período. Embora tal critério possa ser usado, é inadequado fazê-lo antes de analisar duas questões: a) para que, para quem e para qual tipo de sociedade o critério foi criado e usado; b) sendo a ciência uma atividade social, é ou não de interesses do Brasil usá-lo como instrumento de política científica num setor tão fundamental e sensível como o de avaliação de recursos humanos?
Desejo propor um critério que considero responder melhor à questão: todo acadêmico, produtor científico e tecnológico em geral pode e, a meu ver, deve ser avaliado além das citações do sistema internacional, pelo número e qualidade de outros cientistas e tecnólogos que forma ou formou, pela implantação de grupos, laboratórios e linhas de pesquisa que ajudou a realizar, pelas escolas científicas que tenha ajudado a formar ou sedimentar. Isto é, devemos avaliar o impacto e a produtividade social e não apenas o critério individualista, que, embora importantíssimo, não pode ser o dominante na avaliação. É necessário montar a "árvore" de cada avaliado para que, inclusive, fiquem caracterizados seu posicionamento histórico e sua contribuição dinâmica social. Isso é importante mesmo para um iniciante, para que se avaliem sua contribuição e onde está se engajando no panorama do desenvolvimento científico do país. José Reis, o nosso grande cientista e divulgador da ciência, sempre diz que todos querem chegar de helicóptero para avaliar o Brasil, como se nada existisse antes!
Com critérios individualistas, montados para sociedades muito diversas das nossas e com outros objetivos para o sistema de ciência e tecnologia, vamos exacerbar o personalismo, deixar de estimular o trabalho em equipe com missões sociais de interesse. Com isso, torna-se até difícil desenvolver uma política científica e tecnológica. Vamos avaliar as raízes, os troncos, os galhos, os frutos e pesar em conjunto e não individualmente os resultados. Vamos valorizar as lideranças de grupo, a formação de verdadeiras escolas científicas ou tecnológicas. A ciência e a tecnologia podem começar com poucas citações internacionais num centro emergente no interior do país e, aí sim, convocar os grandes talentos individuais, mas num trabalho de equipe e de política científica e tecnológica com valor sociocultural. Assim, implantaremos uma política séria e com continuidade. Esse "critério da árvore" é o que proponho que seja usado não somente pelo Conselho Nacional de Pesquisas, Capes, Fapesp, Finep, mas pelas próprias universidades e centros de pesquisa. Sobretudo que seja lembrado pelos agentes sociais quando discutirem ciência e tecnologia. Isso vale para políticos, empresários e jornalistas e, quem sabe, também, para parte da própria comunidade científica.

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