São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
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Alternativa para o Sivam e política tecnológica

LUIZ PINGUELLI ROSA

O Sivam é um sistema de ação coordenada do governo para repressão de atos ilícitos e proteção ambiental na Amazônia, envolvendo o Ministério da Aeronáutica.
É necessária a criação de um sistema de coleta de dados e informações da Amazônia, tendo em vista os objetivos declarados de controle ambiental, segurança de tráfego aéreo, repressão ao narcotráfico e ao contrabando. Entretanto, é questionável a forma do Sivam, conforme tem sido debatido na universidade, na SBPC, na imprensa e no Congresso.
Não será efetivo o Sivam sem medidas complementares. Em caso de se observar um ilícito, como um avião clandestino em vôo, a parte terrestre caberá à Polícia Federal, que deverá ser reequipada, enquanto a parte aérea exigirá a alocação de efetivo e equipamento da Força Aérea -basicamente aviões Tucanos remotorizados (ALX).
A contratação em bloco nos EUA, sem mobilizar a engenharia brasileira e o setor de ciência e tecnologia, pode repetir o erro do acordo nuclear. A engenharia de sistemas e a parte do software podem ser tão importantes quanto os equipamentos. Estes envolvem radares, sensores, estações de telecomunicações, computadores, aviões do tipo Brasília. Uma parte maior do que a prevista desses equipamentos poderia ser fabricada no país. Há preocupação de que as informações sejam passadas à Raytheon nos EUA para usos geopolíticos, em detrimento do Brasil.
Por que não fazer contratos aqui, subcontratando várias empresas, em vez de uma só nos EUA? Qual o número de empregos que serão gerados lá? Com a crise e o fim da Esca, não é o caso de mudar isso? 38,8% serão gastos no Brasil -US$ 547 milhões- e 61,2% nos EUA, via Raytheon -US$ 848 milhões, totalizando US$ 1,39 bilhão. O número de empregos pode chegar a 50 mil.
A seleção da empresa norte-americana Raytheon parece ter sido muito influenciada pela condição de financiamento externo pelo Eximbank. Esse critério, em geral, leva à realização dos contratos no país de onde vem o financiamento, sob forma de um pacote tecnológico, o que pode encarecer os custos e desfavorece a participação da tecnologia nacional.
No caso, foi explícita a pressão do governo norte-americano sobre o nosso governo para dar a encomenda a uma empresa norte-americana. Quanto a irregularidades no processo, elas devem ser apuradas pelo governo, independentemente da origem das denúncias, embora o uso de escuta telefônica pela polícia não seja conveniente. É fundamental preservar a privacidade dos cidadãos comuns.
O colapso por não-pagamento de impostos e outras irregularidades da Esca, escolhida como a empresa integradora nacional do projeto, é grave. O pessoal técnico, com experiência profissional, da Esca pode se dispersar se não for fixado de forma estabilizada. Esse é um fato típico enfrentado pela área de ciência e tecnologia no país: formar recursos humanos e não aproveitá-los. Há necessidade de maior integração com empresas brasileiras, institutos de pesquisa e universidades.
O modelo usado no financiamento e na contratação do projeto atribuiu a maior parte do custo à Raytheon, mas o governo brasileiro reembolsará o empréstimo mais os juros no futuro.
Pode-se conjeturar uma alternativa, em que o governo brasileiro contrataria no Brasil a empresa que tomaria o lugar da Raytheon como empresa-chave no gerenciamento do fluxo da tecnologia. O custo deve cair, reduzindo o gasto no exterior.
A dívida assumida se reduziria muito. A empresa contratada no Brasil ficaria em posição-chave, com o fluxo da tecnologia passando por ela. Seriam subcontratadas empresas no Brasil e no exterior e envolvidos institutos de pesquisa e universidades brasileiras.
Esse modelo teria vantagens: menor custo, menor despesa em moeda estrangeira, menor endividamento externo, maior participação das empresas brasileiras, participação de universidades e institutos de pesquisa em parceria com empresas, maior número de parcerias entre empresas brasileiras e estrangeiras, maior número de empregos gerados no país e maior qualidade. Como desvantagens, há maior dispêndio inicial sem financiamento externo, maior responsabilidade técnica no projeto, maior risco quanto à conclusão no prazo e maiores pressões externas sobre o governo brasileiro.
Um ponto crucial é entender que o Sivam não é um caso isolado. Segue a concepção de subordinar tudo à política financeira de captar recursos no exterior e mostrar a adesão do país ao esquema da globalização sob a égide norte-americana, em troca do apoio à atração de investimentos externos.
Nesse aspecto, há uma contradição entre o objetivo maior do Sivam -controle soberano da Amazônia- e esse esquema. Isso levou a uma ruptura com a comunidade científica e tecnológica nacional subestimada pelo governo, como ocorreu com o programa nuclear com a Alemanha, que fracassou.
O sistema de controle aéreo Sindacta foi bem realizado pela Aeronáutica e serve de exemplo. A tecnologia "off-shore" da Petrobrás é outro exemplo de sucesso com participação da universidade. É hora de fazer do Sivam um instrumento da política de ciência e tecnologia do Brasil, como os EUA fizeram com o "Star Wars" e a França com o "Eureka".

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