São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mix de ficção e história é sucesso de vendas

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Freud tratando Nietzsche; Marx como possível vítima dos assassinatos em série praticados por uma criatura mística; Sherlock Holmes frequentando terreiro de candomblé.
Esse são alguns dos encontros fictícios promovidos por romances históricos, um dos gêneros que mais cresceram nos últimos anos.
"Nos EUA, é uma tendência da década de 90, mas está chegando ao mercado brasileiro agora e vai aumentar nos próximos anos", avalia Luciana Villas-Boas, 38, diretora editorial da Record.
"Romance histórico sempre existiu, mas era basicamente fantasia, só aproveitava o cenário, a ambientação. Agora é bem delineado, com muito elemento documental. É difícil separar realidade e ficção", diz Villas-Boas.
Para ela, foi o escritor italiano Umberto Eco quem inventou o novo modelo, com o policialesco "O Nome da Rosa", nos anos 80.
Em 95, um dos principais prêmios literários do país, o Jabuti, foi dado, na categoria romance, para João Silvério Trevisan, que escreveu "Ana em Veneza", um dos personagens era Julia Mann, mãe do alemão Thomas Mann.
É um filão que dá bons resultados. Quem se arrisca no estilo dificilmente não repete a dose.
José Roberto Torero publicou, em 94, um fictício caderno de anotações de Francisco Gomes da Silva, conselheiro do Império, conhecido como Chalaça -título do romance.
O mesmo ocorreu com Ana Miranda. Em seu primeiro livro, "Boca do Inferno", de 89, ela tinha, como alguns dos personagens, o poeta Gregório de Matos e o padre Antonio Vieira.
Ano passado ela voltou à carga com "A Última Quimera", sobre o poeta Augusto dos Anjos. A editora Cia. das Letras já espera um segundo romance de Torero, agora sobre o político João Ramalho.
O editor Luis Schwarcz acha que, de uma maneira geral, a literatura histórica no Brasil se fortaleceu nos últimos anos. O que abrangeria não apenas romances históricos, mas biografias.
"O Brasil está olhando mais para si mesmo", arrisca ele.
Schwarcz acha que o volume de publicações desse tipo de livro aumentou. "Não gosto da palavra 'boom', mas há alguma coisa acontecendo", diz.
Mas o leitor não consome apenas este tipo de gênero quando feito no Brasil. A maioria dos lançamentos é de autores e personagens estrangeiros. Como no livro do norte-americano George Baxt, "Um Caso de Polícia para Dorothy Parker", em que a escritora vira detetive.
Quanto mais famosa ou intocável for a personalidade, melhor.
Em março, será publicado o livro "A Saga dos Marx", uma comédia escrita pelo espanhol Juan Goytisolo sobre a família do pai do comunismo.
Marx também é personagem de "Dan Leno e o Golem de Londres", de Peter Ackroyd. O tal em que um "serial killer" aterroriza a Londres do final do século e, em determinado momento, resolve matar o filósofo alemão.
O dramaturgo inglês William Shakespeare é o personagem principal de "O Mistério do Leão Rampante", de Rodrigo Lacerda.
O 'boom' não tem distinções geográficas. Latino-americanos também são bem-vindos. Para 96, está previsto o lançamento de "Santa Evita", em que o argentino E. Martinez trata de uma das figuras mais caras aos argentinos, Evita Perón, segunda mulher do ex-presidente Juan Perón.
Mas, por enquanto, o criador da psicanálise, Sigmund Freud continua imbatível como personagem de romances históricos.
Em fevereiro será lançado "Comendo Pavlova", de B.M. Thomas, suposto diário dos últimos anos de vida de Freud, escrito pela filha dele, Ana.
"Quando Nietzsche Chorou" traz um "quem é quem" do fim de século vienense, em que a escritora Lou Salomé pede ajuda a Josef Breuer e Freud -que fecundam o embrião da psicanálise- para o filósofo alemão, à beira do suicídio.
Em "Henry James's Midnight Song", romance ainda em tradução pela Record, Carol Challis Gil brinca com os escritores Henry James e Edith Wharton, com o psicanalista Carl Jung e... Freud.

Texto Anterior: Nada há de errado no filme de Angra
Próximo Texto: Público tem referências
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.