São Paulo, segunda-feira, 1 de janeiro de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O homem, da caverna a 1996
JOSIAS DE SOUZA BRASÍLIA - No início de um novo ano, costuma-se olhar só para a frente. São comuns as tentativas de perscrutar o futuro. Pois para compreender o amanhã é conveniente reter um olho no retrovisor.Olhar para trás é, por vezes, um exercício fascinante. O observador não deve, porém, restringir-se a 1995. O melhor passado não é o recente, preservado em revistas de ante-sala de dentista. O passado mais saboroso está nas páginas amarelecidas de Neandertal, nos relatos mais remotos sobre a Mesopotâmia. Está na Idade Média, no Iluminismo, na Revolução Industrial... São lugares distintos, são fases diferentes da evolução humana. Mas algo une o passado, visto assim, em perspectiva, ao presente que engatinha. O que injeta o homem de Neandertal em 1996 é a obsessão do ser humano pelo ócio. Desde sempre o homem dedica-se a inventar ferramentas que lhe permitam trabalhar menos. Trava uma luta ininterrupta contra o cansaço. Assim é que evoluímos da roda ao automóvel. Da bússola ao radar. Da astronomia ao satélite. Do trenó ao foguete. Do chá à produção de moléculas em laboratório. Do vapor ao computador. De Frederick Taylor a Bill Gates. Graças ao triunfo do intelecto sobre o esforço físico, o homem vive mais. O avanço da medicina prolongou sua vitalidade física e mental. Há, porém, uma novidade perturbadora. Súbito, em plena sociedade pós-industrial, o homem parece atônito com sua última descoberta. Trata-se, na verdade, de uma não-descoberta. Ele descobre agora que ainda não inventou uma forma de administrar o próprio progresso. Aos poucos, a inventividade humana vai dividindo a sociedade em duas: há a parte que preserva o emprego e a massa desempregada. Auxiliados pela moderna tecnologia, os com-emprego são convocados a acumular mais e mais atividades. Tornam-se escravos do próprio sucesso. E, sob o manto da produtividade, cresce o exército dos sem-emprego. Os estudiosos mais apocalípticos prevêem que as cidades do futuro serão sitiadas por hordas de desocupados. Atinge-se, gradativamente, o alvo perseguido pelo homem desde a era das cavernas. O desemprego, um mal mundial, é o supremo ócio. Texto Anterior: Satanização Próximo Texto: Ele, o bispo Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |