São Paulo, quinta-feira, 4 de janeiro de 1996
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Pacto pelo emprego

SALO SEIBEL

Um dos maiores problemas que afligem de modo igual e crescentemente o Primeiro Mundo e o Brasil é o do desemprego. Aqui, o problema se reveste de peculiaridades próprias. A par do desemprego provocado pela modernização tecnológica, temos também a perda de postos de trabalho decorrente de outros fatores, como os problemas vividos por alguns setores econômicos em função do Plano Real e a competição dos importados.
Assim, foi acertada a decisão tomada pela cúpula do governo federal, na reunião mantida em 15 de novembro pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e seu ministério, de eleger o combate ao desemprego como a prioridade número 1 para 96.
Esse combate deverá ocorrer, inicialmente, contra um pano de fundo ainda desfavorável. O incremento de cerca de 4% a 5% do PIB para 1995 deverá, na melhor das hipóteses, repetir-se nos próximos dois anos. Ninguém está esperando, durante a fase de consolidação da estabilização da moeda, um crescimento com as taxas obtidas no início da década dos 70, nos anos do chamado "milagre econômico".
Há uma grande consciência de que a aceleração do crescimento com manutenção da estabilidade da moeda só será possível com a aprovação das reformas tributária, previdenciária, administrativa e patrimonial, e com a diminuição do chamado "custo Brasil". Isso não foi possível realizar em 95. Com a inflação sob controle, espera-se que o governo possa dedicar-se a trabalhar para concretizar as reformas em 96.
As reformas também deverão contribuir para amenizar o desemprego, especialmente se forem acompanhadas de um impulso ao desenvolvimento da infra-estrutura de energia, transportes, telecomunicações.
Com relação à estabilização, há uma consciência crescente de que o processo -redistributivo por sua própria natureza- continuará infligindo perdas a diversos segmentos da sociedade. Isso ocorre simultaneamente a outro movimento incessante de modernização tecnológica, por meio do qual um determinado número de empregos é irremediavelmente eliminado numa velocidade às vezes maior do que aquela em que outros novos empregos vão sendo gerados, especialmente no setor de serviços.
Assim, passado o momento em que a sociedade civil voltou a se articular para manifestar-se contra perdas consideradas excessivas provocadas pela estabilização, estamos agora entrando em um segundo tempo que requer maturidade ainda maior por parte dos governantes e da sociedade.
Uma equipe econômica, por mais brilhante que seja, não dá conta de administrar a estabilização e ao mesmo tempo as perdas por ela provocadas. Há limitações de toda ordem, especialmente num país com os problemas, a diversidade e as dimensões do Brasil. Por isso o governo não pode por si determinar quem continuará pagando o preço pela estabilização. Essa precisa ser uma discussão de toda a sociedade.
É necessário encarar seriamente a possibilidade de articular uma negociação que resulte em um pacto pelo emprego o mais abrangente possível. A plataforma comum sobre a qual essa negociação pode se desenvolver é a vontade da sociedade de manter a estabilização, pagando o menor preço possível pelos acertos e também por eventuais erros cometidos pelos condutores da política econômica.
Mais uma vez é preciso lembrar que países como Israel e Espanha conseguiram implementar uma estabilização duradoura graças a pactos sociais que negociavam a repartição das perdas inevitáveis. Essa é a forma mais eficiente de êxito da estabilização num país democrático. Evidentemente uma ditadura não necessita de qualquer pacto.
Essa percepção da importância de um pacto foi compartilhada nos últimos anos por várias lideranças políticas, entre elas a de Fernando Henrique Cardoso, quando senador da República. Já ministro da Fazenda, FHC continuava simpático à idéia, mas argumentava que o maior obstáculo era lidar com a diversidade de interlocutores, interesses regionais e a ciumeira entre representantes rivais de um mesmo segmento empresarial ou sindical.
Hoje começam a existir condições objetivas para que FHC seja o articulador desse pacto social. Talvez seu formato inicial não seja o de uma única mesa, mas de algumas dezenas, com uma coordenação única.
O importante é que já temos o embrião desse pacto na convergência de diagnósticos das diversas entidades da sociedade civil, na preocupação comum em minimizar o prejuízo social e na crescente interlocução entre trabalhadores, empresários, equipe econômica e o Congresso. Tomara que saibamos aproveitar esse raro momento e lançar as bases de um pacto duradouro que possa se transformar na principal âncora da estabilização com crescimento econômico.

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