São Paulo, quinta-feira, 4 de janeiro de 1996
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Não dá mais

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Faz algum tempo que venho avisando a minha filha: São Paulo não é mais uma cidade para se criar filhos. Tornou-se "invivível", se o leitor me permite o neologismo.
Passei o dia ontem no interior. Ao chegar, a cidade tinha um aspecto meio de Sarajevo depois do acordo de paz entre bósnios e sérvios. Não sei se a cidade inteira, mas pelo menos a avenida dos Bandeirantes e quase todas as suas transversais.
Tampas de bueiros fora de lugar, como se tivesse havido uma explosão (ou implosão). Detritos espalhados por todo o leito da avenida, barro por todo canto e assim por diante.
Só o trânsito nada tinha de Sarajevo. Era pior, muito pior. É uma das razões para achar São Paulo "invivível". Quando não são os monstruosos congestionamentos pré-férias, são os monstruosos congestionamentos pós-temporal (ou durante o temporal, quando deve ter sido até pior).
Mais de uma hora para percorrer os quatro quilômetros entre a entrada na Bandeirantes, pela Marginal do Pinheiros, e a minha casa. E agradecendo aos céus não ter ficado na água, como incontáveis veículos espalhados pela Bandeirantes e transversais.
Não vi, até a hora de escrever, qual a explicação de turno para a enchente de turno. Deve ter sido algo como "choveu em meia hora mais do que nos últimos três séculos e meio". É sempre assim. Chove, a cidade alaga e ninguém é culpado, a não ser o pobre São Pedro, que não tem como se defender.
A Rede Globo ainda é capaz de descobrir que foi a Igreja Universal do Reino de Deus que causou a enchente, só para desmoralizar São Pedro e, por extensão, a Igreja Católica.
Quando não chove, o ar é quase sempre irrespirável. Os netos vivem com problemas nos brônquios. Como nem eu nem minha mulher nem meus filhos tivemos problemas idênticos, pergunto ao pediatra se a garotada nasceu bichada. Ele explica que não, que o ar na cidade é, hoje, imensamente mais bichado do que era no meu tempo de criança ou no dos meus filhos.
Nem deu espaço para falar da violência. Saudades de Madri.

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