São Paulo, quinta-feira, 4 de janeiro de 1996
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Espelho, espelho meu

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - O governo começa o ano de peito estufado. O ego da Esplanada inchou. Os botões de alguns ministros saltam da camisa. O Planalto também transborda vaidade. Fernando Henrique está que não cabe no paletó.
O motivo? Ora, a popularidade de 41%, levantada pelo confiabilíssimo Datafolha. Enquete anterior, encomendada pela Presidência, chegou a uma estatística semelhante: 43% de aprovação. Foi feita pelo Ibope.
Munidas de tais números, certas autoridades de Brasília fazem boca de nojo para os jornais. Torcem o nariz para os jornalistas. É como se dissessem: "Engulam o Sivam. Às favas com a pasta rosa".
Só um tolo pediria ao presidente que desse as costas para as pesquisas. Os dados representam, afinal, a opinião do brasileiro. E, nessa matéria, a sintonia é preferível ao desencontro.
Mas tolice maior seria pedir à imprensa que passasse por cima dos erros cometidos no varejo. O presidente é popular porque, aos olhos da patuléia, seus tropeços são menores que seus acertos. Muito bem. Ótimo.
Daí a importância quase dialética do debate sobre os erros. Nada melhor do que falar sobre os problemas. Até para que se possa evitá-los. O melhor equívoco é aquele que se comete uma única vez.
Os temas não são, de resto, desimportantes como se tenta insinuar. O Sivam, por exemplo, envolve gastos de US$ 1,4 bilhão. Não é dinheiro grátis. É um tipo muito especial de verba. É dinheiro público. Custou o suor do contribuinte.
Outra coisa: o que segura Fernando Henrique acima dos 40% é o real. O que o sustenta no patamar confortável é a sensação de estabilidade econômica. A moeda obteve fabulosos 72% de aprovação.
A fama do governo vem, portanto, do passado. Ainda que naufragasse hoje, o Plano Real teria lugar de destaque na história. Seria lembrado pela crônica econômica como o mais bem-sucedido. Mas é preciso reconhecer que não se está falando de uma obra nova.
É um feito ainda da era Itamar. Mantido, aliás, à custa do dólar artificial e dos juros inacreditáveis. Espanta que não se tenha realização nova para festejar. Ou o governo se mexe ou logo teremos muita gente fugindo do espelho.

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