São Paulo, sexta-feira, 5 de janeiro de 1996 |
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O evangelho segundo o mercado
CLÓVIS ROSSI SÃO PAULO - Jorge Mattoso, professor do Instituto de Economia da Unicamp, um incomodado com a questão do emprego (no Brasil e no mundo), envia um excelente trabalho chamado "Emprego e Concorrência Desregulada: Incertezas e Desafios".Não há, aqui, espaço para entrar na discussão da parte propriamente técnica do estudo. Mas vale resgatar um dado cultural relevante. Mattoso critica o que batizou de "concorrência desregulada", um fenômeno internacional, e que favoreceu "um verdadeiro evangelho da competitividade". Acrescenta: "Ambos tornam-se aparentemente capazes de estabelecer regras definitivas e absolutas, cujas consequências são consideradas inevitáveis. Dessa maneira, fazem crer que aos indivíduos, empresas e nações não existiria outra alternativa se não adaptar-se passivamente àquelas tendências inexoráveis e, no longo prazo, benéficas". O ponto é exatamente esse: o mal maior de se ter um "evangelho" desse tipo é o da pasteurização cultural. O deus do mercado quer que as coisas se façam tal e como ditam seus profetas de turno e quem ousa pensar (quanto mais fazer) de forma diferente está liminarmente condenado aos infernos. É o que está ocorrendo, agora, por exemplo, com o caso do México. Em todo canto, podem-se ler textos afirmando que o pior da crise já passou, que o México se encaminha para a recuperação, desde que, é claro, se atenha ao tal "evangelho". Pode até ser que o México tenha conseguido alguma recuperação, do ponto de vista das finanças públicas ou da macroeconomia. Mas e os mexicanos? A recessão, em 95, bateu em 8% do PIB, a pior desde 1938, o poder aquisitivo reduziu-se em cerca de 30%, o desemprego afeta 7% da população ativa, segundo o governo, ou 10%, segundo os sindicatos, 80% das pequenas e médias empresas estão em estado catatônico. Esses "detalhes" raramente aparecem nas eruditas análises sobre a realidade mexicana pós-crise. Como, aliás, as graves feridas sociais eram simplesmente varridas para baixo do tapete nas avaliações eufóricas pré-crise. Suspeito que o novo "evangelho" santificaria a bomba de nêutrons. Aquela que mata as pessoas, mas deixa de pé os edifícios. Texto Anterior: As águas de sempre Próximo Texto: O novo pecado Índice |
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