São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Presente público

JANIO DE FREITAS

No simplismo com que estão sendo adotadas decisões de consequências tão grandes para toda a população e para o futuro do país, qualquer observação menos submissa soa como impertinência. Inútil, por certo é. Mas nem por ser aquilo ou isto deve ser relegada pelos que percebem a necessidade do debate, frustrado pela força maior dos interesses instalados no governo e outros, protegidos à sombra dele.
As privatizações são exemplo eloquente nesse sentido. Sua conveniência é inquestionável. Mas foi vedada qualquer discussão sobre seus princípios e fins; sobre a oportunidade de desestatização de cada parte do patrimônio estatal, sobre a maneira de proceder às vendas. Três ou quatro pessoas se assenhoram dessas decisões fundamentais, adotadas por critérios que não saem desse círculo mínimo nem para chegar ao Congresso.
O governo usa, pelas palavras do presidente e do ministro José Serra, de um argumento para dar as costas a qualquer possibilidade de exame da questão fora do círculo: é preciso vender as estatais para reduzir, com o resultado das vendas, a dívida que tanto onera os cofres públicos. O argumento é poderoso. Se considerado isoladamente. Integrado, como parte que é, à política econômico-financeira, ao Plano Real, revela-se muito diferente.
De 1991 até agora, as privatizações resultaram em US$ 9,569 bilhões (só uns 20% em dinheiro, o restante em títulos da dívida). Nesse total, as oito privatizações feitas pelo atual governo, das 17 que se comprometera a fazer em 95, entraram com apenas US$ 1,004 bilhão. Mas só os juros pagos pelo governo ao pessoal da ciranda financeira custaram, até outubro, R$ 34 bilhões, ou US$ 35 bilhões. Dos quais R$ 15 bilhões pagos pelo governo federal.
Como resultado da política de juros lunáticos, o governo aumentou a chamada dívida pública -a sua, a dos Estados e municípios- 35 vezes acima do que a reduziu para os seus próprios cofres. E passou a dever, só com pagamento de juros na ciranda financeira, 15 vezes mais do que recebeu com privatizações. Mais ainda: de outubro a outubro do Plano Real, só em juros aumentou o endividamento quatro vezes acima do que renderam quatro anos de privatizações.
O programa de desestatização para 96 promete obter R$ 11 bilhões. Caso os obtenha e a eles somando-se o bilhão de 95, ainda precisaria de R$ 3 bilhões só para cobrir os juros que o Plano Real deu ao pessoal da ciranda até outubro do ano passado. E, de lá para cá, a inexistência de dados atualizados não é suficiente para omitir-se que outros bilhões foram distribuídos na ciranda.
A venda do patrimônio público poderia resultar em investimentos preciosos em favor dos 75 milhões de pessoas que vivem da linha da pobreza para baixo. Seria a troca de bens públicos pelo bem público. Mas o valor das estatais está sendo todo dado aos que jogam na ciranda financeira. Inclusive os estrangeiros que, aplicando aqui em títulos da dívida pública, estão lucrando em um mês o que em seus países levam um ano para ganhar.
Inimigo
Incomodada com a percepção generalizada de que trava uma guerra contra a igreja proprietária de uma TV concorrente, a Globo difundiu nota para afirmar que "não move guerra contra ninguém e nem cobrou, nessa questão, providências contra ninguém". Mas explica assim o martelar diário: "A TV Globo (...) quando repete imagens é por entender necessário estabelecer a relação existente entre a informação nova e a sua causa".
Se causa da informação, seria motivo, motivação. Sendo o sujeito do parágrafo a TV Globo, "a sua causa" é a causa da Globo. A pretensa explicação saiu pela culatra, virou confissão por ato falho. Mesmo quando pago para ser aliado, um mau redator é um inimigo muito perigoso.

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