São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mulheres atuam em profissões 'de macho'

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O maior orgulho da paulista Ana Regina Miazzo, 22, é poder pilotar um Mercedes -na versão com caçamba. Ela é a única caminhoneira de Lins (a 450 quilômetros de São Paulo) e, só na semana passada, rodou cerca de 500 quilômetros transportando cerveja.
Ela dirige um modelo 1.113 há quatro anos e diz que tomou gosto pela coisa observando o pai. "Meu pai é carreteiro e aprendi a dirigir caminhão sozinha."
Por enquanto, Ana Regina só trabalha com bebidas, nas redondezas de Lins, mas não descarta a possibilidade de vir a fazer carretos interestaduais. "Quero viajar muito ainda", afirma.
Ela diz que, no começo, os homens costumavam rir e dizer gracinhas quando a viam no volante de um caminhão. "Me mandavam para o fogão", diz. Depois, passaram a respeitá-la. "Eles perceberam que eu me garanto."
Ana Regina tem namorado e pretende se casar, mesmo sabendo que a profissão pode ser um empecilho. "Tenho que arranjar um marido muito especial, disposto a me esperar quando eu estiver longe", diz. "Se ele não quiser, vai ter que procurar outra. Eu não largo o caminhão."
Muita gente ainda considera o que Ana Regina faz "coisa de macho". Ela não liga. "Faço o que eu gosto e não estou aí para a opinião de ninguém", ela diz.
Outras mulheres na mesma situação também aprenderam a conviver com o preconceito. A mecânica Rose Lins, 27, trabalha há 12 anos na oficina do tio e diz que até formar a clientela sofreu bastante. "Ninguém acredita que uma mulher seja capaz de limpar um carburador, por exemplo", diz.
Além de limpar carburadores, Rose resolve problemas na parte elétrica, freios, câmbio, etc. Ela mesma faz o diagnóstico. "Só não gosto de mexer no motor quando é carro importado", afirma.
Rose conta que já recebeu propostas de trabalhar em concessionárias, mas não aceitou nenhuma. "Me acostumei a trabalhar com meu tio", diz. "Em um lugar maior, vou trabalhar rodeada de homens, todos duvidando da minha capacidade. Ter que provar que eu sou boa me dá preguiça."
Para provar que era capaz de apagar incêndios e fazer resgates, a bombeira Aparecida Fernandes, 27, se submeteu a vários testes. Ela fez parte da primeira turma de mulheres que se tornaram bombeiras em São Paulo, em 1991.
"Eu já era da polícia desde 87 e me encantei pela profissão atendendo no telefone 193 do Corpo de Bombeiros", conta. "Só que mulher, ali, apenas recebia o chamado e comunicava o oficial encarregado da ocorrência. Eu queria poder ir junto, ajudar."
Hoje, Aparecida não tem do que se queixar. Em quatro anos de Grupamento de Incêndio fez mais de 120 resgates. "Dá muita satisfação salvar as pessoas em incêndios, desastres de automóveis e tentativas de suicídio", afirma.
"As mulheres são muito melhores do que os homens quando se precisa de psicologia", diz o coronel Leopoldo Corrêa, 44, do 4º Grupamento de Incêndio (Vila Mariana), onde Aparecida trabalha. "Em um resgate, por exemplo, se tem vítima fatal, elas lidam melhor com os sobreviventes."
Ter psicologia é quase uma questão de sobrevivência para a técnica em eletrônica Heloísa Firmino, 34. Ela instala e faz manutenção de computadores, e sempre encara um machista que não acredita nos conhecimentos dela.
Certa vez, de férias, Heloísa foi consultada pelo primo sobre um possível defeito no computador dele. Ela confirmou e o sujeito que vendeu o equipamento não gostou.
"Ele foi arrogante e deu a entender que eu não conhecia o assunto, só porque era mulher", disse. "Combinei com o meu primo de dizer uma porção de besteiras sobre computador, para ver se o cara sacava mesmo. Ele não percebeu nada, caiu direitinho."

Texto Anterior: Governo libera remédio anti-rugas
Próximo Texto: DEPOIMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.