São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Descontinuidade de verbas atinge ciência

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Fernando Henrique Cardoso não conseguiu resolver em seu primeiro ano de governo um dos problemas mais graves da ciência brasileira desde a década passada: a descontinuidade na liberação de recursos para projetos de pesquisa.
O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), por exemplo, recebeu no ano passado R$ 34 milhões para auxílios a esses projetos -quase R$ 15 milhões a mais do que no ano anterior.
Só que, desse valor, R$ 12 milhões (35%) foram liberados só no dia 28 de dezembro passado.
Para uma área que depende, essencialmente, do fluxo estável de dinheiro para a boa continuidade dos trabalhos de pesquisa, a liberação de verbas em "blocos" chega a ser tão prejudicial quanto a não liberação de recursos.
Essa descontinuidade das verbas para projetos de pesquisa é a principal crítica de cientistas -dentro e fora do governo- ao sistema federal de ciência e tecnologia.
Melhor que Collor
Segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciência, Eduardo Moacyr Krieger, 67, a impressão global (da gestão da ciência em 1995) é favorável. "Foi dada continuidade à recuperação daquele fundo do poço que chegamos no governo Collor."
"O grande problema que a comunidade científica tem é a regularidade na liberação das verbas alocadas diretamente para projetos científicos", afirma Krieger.
O vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Jacob Palis, 55, responsável pelo "lobby" dos cientistas na discussão do orçamento no Congresso, também considera que "houve avanços muito positivos".
"Mas na parte de apoio a projetos de pesquisa, o desempenho continua sofrível."
Ao todo, a verba destinada em 1995 para o Ministério de Ciência e Tecnologia é praticamente igual à de 1994, em torno de R$ 900 milhões (veja quadro).
"Ainda não fechamos as contas de 95, mas o orçamento executado vai ficar no máximo 5% acima ou abaixo disso", afirma o chefe de gabinete do ministério, Oskar klingl, 50.
Em 1995 também se manteve uma iniciativa importante do governo de Itamar Franco: evitar qualquer atraso no pagamento das bolsas -que, na verdade, são os salários dos pesquisadores.
O atraso no pagamento das bolsas -que se tornou crônico em 1992- foi resolvido com um decreto presidencial em 1994, vinculando-as aos salários dos professores das universidades federais.
Desde então, uma bolsa de doutoramento vale 70% do salário de um professor adjunto de uma universidade federal e é paga com a mesma regularidade. Um doutorando está recebendo R$ 1.072,52 por mês.
O desafio, para 1996, é conseguir essa regularidade na área dos auxílios a pesquisa. Mas, para isso, é preciso superar uma defasagem de dois anos.
Pagamentos atrasados
No ano passado, os recursos de auxílio a pesquisa foram usados para pagar projetos aprovados pelo CNPq em 1993 -quando se pagou parte dos de 1992. Metade dos projetos aprovados em 1994 ainda não foram pagos.
No segundo semestre de 1995, o conselho do CNPq decidiu não aprovar mais qualquer auxílio enquanto não superasse esse atraso.
Segundo o presidente do CNPq, José Galizia Tundisi, 57, cientista considerado do "primeiro time" pelos seus pares, esse atraso -que atinge 2.500 projetos- deve ser superado até meados deste ano.
"Se o dinheiro não vem, a gente improvisa. Mas há evidentemente um prejuízo sempre que se improvisa", afirma o professor titular de sociologia da USP Reginaldo Prandi, 49.
Membro do Comitê Assessor de Sociologia do CNPq, Prandi teve aprovado em 1994 auxílio à uma pesquisa sobre o conservadorismo do catolicismo carismático. O dinheiro ainda não saiu e o projeto, que cobriria todo o país, "ficou limitado à cidade de São Paulo".
"O governo tucano, pela sua própria origem, não pode ignorar a necessidade de liberação dos recursos financeiros para a ciência", afirma o sociólogo da USP.

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