São Paulo, segunda-feira, 8 de janeiro de 1996
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A abertura e a guerra das fraldas

LUÍS NASSIF

Deixa esta semana seu cargo de presidente da Procter & Gamble nacional, para assumir a direção para a América Latina, o mexicano Fernando Aguirre.
Aguirre tornou-se personagem relevante do processo de abertura da economia brasileira, por sua participação na guerra das fraldas -episódio que ainda vai entrar para os anais do marketing da globalização, por comprovar que não basta apenas exportar para países métodos padronizados de produtos e vendas.
No fundo, o grande desafio das empresas internacionais será aprender a trabalhar e a produzir para consumidores de baixa renda -o grande mercado internacional que está por ser desbastado.
A Procter & Gamble é uma empresa de 150 anos, que nos últimos 15 ou 20 anos resolveu apostar todas suas fichas na globalização da economia. Com um estilo agressivo, hoje em dia fatura US$ 33 bilhões por ano e é 13ª ou 14ª companhia americana em tamanho.
Com forte posição no México e na Venezuela, a empresa entrou no Brasil no final dos anos 80, por meio da compra da Phebo.
Seu primeiro desafio foi enfrentar a Johnson no terreno das fraldas, setor em que ela controlava 80% do mercado brasileiro.
A fralda da Johnson custava US$ 1 a unidade. Nos Estados Unidos, o preço não passa de US$ 0,14 a unidade. O mercado brasileiro era de irrisórios 120 milhões de fraldas descartáveis/ano.
Com os altos preços internos, a primeira tentativa da Procter & Gamble consistiu em lançar sua melhor fralda no país, a US$ 0,65 a unidade.
A reação da Johnson foi baixar seus preços. Mas em apenas 12 meses, o mercado duplicou e a participação da Johnson caiu de quase 100% para 55% do mercado.
Com a hiperinflação do final da década, os preços voltaram a disparar, o mercado caiu de novo para 120 milhões de fraldas/ano, e todos os concorrentes perderam.
De 88 a 92 o preço de entender o consumidor brasileiro custou US$ 200 milhões à companhia.
Baixo preço
Aguirre chegou em janeiro de 92. Cortou a estrutura, baixou os custos e resolveu conversar com o consumidor. Sucessivas rodadas demonstravam que os consumidores consideravam ótima a qualidade das fraldas, mas não tinham renda para aumentar o consumo.
Em vez das fraldas de primeiro mundo, a saída seria uma linha de fraldas mais simples, de boa qualidade mas sem penduricalhos, e a preços bem menores.
A nova fralda foi lançada em março de 92, a um preço de US$ 0,32 a unidade. A Johnson demorou a reagir, julgando que seria impossível à Procter & Gamble manter o preço.
Em setembro de 93 a nova fralda já era líder de mercado. Hoje em dia, mantém posição de 32% do mercado. Em segundo lugar, com 25%, a Quenko -grupo brasileiro que lançou a linha da Mônica. A posição da Johnson oscila entre 15% e 19%.
(Pensando bem, o fenômeno maior é este grupo brasileiro sem tradição na área bater a poderosa Johnson.)
O mercado hoje é sete vezes maior do que em 88. E a capacidade instalada das fábricas foi incapaz de atender o aumento de demanda provocado pelo real.
Os preços são competitivos internacionalmente, se tirados os impostos. Enquanto no México e Estados Unidos os impostos chegam a 4% do preço, no Brasil batem em 42% -bancados pelos consumidores.
O sucesso das fraldas transformou o Brasil em local preferencial para os investimentos da companhia, ao lado da China.
Cade e Kolynos
A empresa aguarda agora a decisão do Conselho de Defesa Econômica (Cade) para o caso Kolynos, para decidir se vai investir também no setor de dentifrícios.
O caso -que está emperrado na Secretaria de Direito Econômico, aguardando para chegar ao Cade- é o mais caro processo contra abuso de poder econômico da atualidade.
No ano passado, a Colgate Palmolive comprou a Kolynos, líder brasileira do mercado de dentifrícios. Na ocasião, pagou mais de US$ 1 bilhão -cerca de 3,5 vezes o faturamento da empresa. A proposta do concorrente mais próximo -a própria Procter & Gamble -seguiu o padrão do mercado, de 1,5 vez o faturamento.
Com a compra, a Colgate passou a dominar 80% do mercado brasileiro de dentifrícios, afastando a possibilidade da entrada de qualquer novo concorrente.
Pelo acordo firmado com a Kolynos, qualquer problema com a legislação seria de responsabilidade da compradora. O faturamento global da Colgate é de US$ 8 bilhões. A anulação da venda implicará em discutir-se indenizações, ou em vender a companhia por valores sensivelmente inferiores ao que foi pago.

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