São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 1996
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Presidente critica partidos aliados e elogia parte do PT

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em entrevista para a revista "Esquerda 21", o presidente Fernando Henrique Cardoso criticou, embora indiretamente, todos os partidos com os quais está aliado, exceto pedaços do seu próprio PSDB. Mas, paradoxalmente, valorizou o PT, o principal partido oposicionista, e, a pedido de Roberto Freire, o PPS.
Disse FHC: "Os partidos não se agregam por valor. Eles se agregam às vezes por poder, por interesse, mas dificilmente em termos de uma proposta valorativa. A exceção é muito pequena, um pedacinho do PSDB, uma parte grande do PT, não sei se o PDT tem proposta propriamente".
A entrevista foi feita, em outubro do ano passado, por três parlamentares de esquerda, os deputados José Genoino (PT-SP) e Domingos Leonelli (PSDB-BA) e o senador Roberto Freire (PPS-PE).
A revista vai às bancas nos próximos dias.
Na conversa, ainda sobre a questão partidos, FHC admitiu uma "crise da representação" ou "crise de legitimidade".
Descreve-a assim: "A sociedade democratizou-se muito. Demanda, organiza-se, pressiona (...) e ao mesmo tempo você não tem estruturas que organizem, ao redor de valores, a ação política."
Completou: "Se você tomar o Congresso hoje, vai ver que é um caleidoscópio. Chega-se quase ao nível de cada cabeça, uma sentença." A seguir, outros tópicos da entrevista.
*
DESEMPREGO
O presidente chegou a dizer, para surpresa dos entrevistadores, que não tem certeza se o desemprego "é uma tragédia ou uma vantagem" para o Brasil.
Depois, explicou a distinção entre "uma massa histórica de excluídos" (desempregados antes como depois da modernização) e "pequenos setores de desemprego causados pela modernização. Muito pequenos, recentes e que ainda são absorvidos no setor serviços".
Qual a vantagem dessa situação? "Você pode ter uma política e dizer: eu não vou acelerar a transformação tecnológica em certas áreas, porque não convém, para poder ter essa gente ocupada", respondeu Fernando Henrique.
Fez distinção também entre emprego e ocupação. Usou o caso de um sobrevôo da região alemã da Baixa Saxônia, em setembro, durante o qual o governador local lhe mostrou plantações de colza.
Prosseguiu: "Ele me disse que o governo dá o subsídio e nem verifica se o agricultor plantou ou não, se colheu ou não. Se não colheu, melhor ainda, desde que a pessoa fique lá, plantando".
A partir desse e de outros exemplos, o presidente defendeu a tese de que se pode desvincular ocupação de produção. "É uma coisa nova. Além da produção, você tem de dar ocupação."
REFORMA AGRÁRIA
"Ela não é importante por causa da produtividade, porque esta não é alta em nenhum lugar do mundo. Isso aí eu acho ridículo. Dizem: 'Há uma produtividade, será melhor...' Não vai ser melhor do que a grande empresa. Não existe condição tecnológica para isso. Mas é um elemento fundamental para manter a pessoa trabalhando".
FHC considera a reforma agrária "socialmente importante sempre", mas não economicamente. "Hoje, não existe o problema da produção de alimento no país. Os estoques do governo nunca foram tão grandes. Quando há fome, não é por falta de comida, é por falta de distribuição", afirma.
BARBARISMO SOCIAL
O presidente aceitou a expressão "barbarismo social", empregada em pergunta de Genoino. E deu exemplos: "Trabalho escravo, como existe aqui. Trabalho infantil. Isso não pode ser aceito".
FHC defendeu o modelo espanhol de uma nova legislação trabalhista, "para permitir maior liberdade nas formas de contrato (de trabalho), para permitir contratação por tempo parcial, com menos garantias sociais".
Acrescentou: "Se você não der alguma flexibilidade, realmente não vai ter como absorver essa mão-de-obra. E como se vai marchar para uma diminuição provável no tempo de trabalho requerido para produção, vai ter que mudar isso também".
ESTADO
"O Estado deve ter na educação -eu acho até mais do que na saúde, porque com ela é possível melhorar a saúde também- a sua principal linha de atuação, na perspectiva de uma modificação profunda das condições de vida do país".
Mas o Estado a que FHC se refere não é "o Estado fechado, burocrático, que pensa que ele, tecnocraticamente, resolve as questões. Esse Estado, hoje, é o caos".
O Estado de FHC deve, primeiro, descentralizar muito. "O governo federal vai passar algum recurso e obrigar que a distribuição seja feita não pelo prefeito, não pelo governador, mas na Prefeitura, por intermédio de um conselho, que deve ter alguém da oposição, alguém do sindicato, alguém da igreja".
"Com isso", diz o presidente, "você está quebrando a relação do Estado burocrático, clientelista e criando uma outra relação, (...) em que você faz uma ligação com as organizações não-governamentais".
MÍDIA
O presidente acha que "a imprensa escrita deve mais interpretar, deve mais analisar o processo, dar os quadros, mostrar as estruturas".
"Porque" -prossegue- "se ela for competir com a imprensa das telas de computador, vai perder. Porque tem um bando de gente pelo Brasil todo soltando informação o dia inteiro, fragmentada. O dia inteiro você é bombardeado por informação livre, mas não-compreensível, não-interpretativa. O que falta para você poder realmente escolher não é só ter muita informação; é saber o sentido delas."

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